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sábado, 19 de janeiro de 2019

O ZELO DE UMA MÃE



Os deveres que expusemos até aqui para a mãe, embora graves e importantes, são bem me­nos graves e importantes do que os de que nos resta a tratar. Até qui efetivamente só nos ocupamos dos cuidados que têm por objeto o corpo e a vida natural da criança, e daqui por diante vamos ocu­par-nos da cultura da sua inteligência e da vida sobrenatural da sua alma.
Divino Salvador, Palavra eterna do Padre, Luz incriada, falai ao ouvido do coração de todas as mães, e iluminai o seu espírito, para que todas compreendam e sintam de que tesouros são depo­sitárias, e quais os cuidados que devem ter, para vo-los conservar. Concedei-lhes essa graça, para que elas, deixando este mundo, possam dizer, com verdade, o que Vós dizíeis a Vosso Pai, na véspera do dia em que derramastes o Vosso sangue pela salvação dos homens: Meu Pai, cumpri a missão que me confiastes: guardei os que me destes, e nem um só de entre eles se perdeu.
Não há nada, debaixo do Céu, que seja comparável à beleza da alma humana. — «O mundo in­teiro, e todos os milhares de tesouros que ele en­cerra, não podem sequer aproximar-se do seu preço» diz S. João Crisóstomo. Suponde uma balança imensa. Colocai num dos seus pratos todas as riquezas da terra, e todas as criaturas privadas de razão, embora fossem transformadas em ouro, e noutro prato colocai uma única alma. Esta alma pesará mais que todas as riquezas amontoadas. É que, segundo o pensa­mento de Santo Tomás, a alma humana é a mais excelente criatura que há na terra; é o ornamento, a beleza do mundo, a obra prima saída das mãos de Deus, e a sua imagem viva [1], a irmã dos anjos, destinada a partilhar da sua glória. Para resgatar as almas, foi necessário o sangue de Jesus Cristo, o sangue de um Deus! Qual não é pois o seu preço?
Eis a razão por que todos os santos têm dedi­cado um generoso amor para com as almas. —«Por elas, exclamava S. Paulo, de boa vontade me entre­garei, me dedicarei todo inteiro.» — «Ó meu Padre, dizia a um religioso, Santa Catarina de Sena, se soubesseis quanto uma alma é bela e qual é a per­feição dessa obra prima, não duvido que, para a ganhardes para Deus, desseis de boa vontade cem vidas, se as tivesseis.» —Santa Madalena de Pazzi, exclamava com todo o ardor do seu zelo: «Oh! se me fosse possível voar às Índias, ou por entre os Turcos, para converter as almas, como todos os tra­balhos e todos os sofrimentos me pareceriam doces!»
Se pois os santos têm tanta dedicação pelas almas, que lhes eram por assim dizer estranhas, qual não deve ser o zelo da mulher cristã, para com a alma de seus próprios filhos! Uma beleza passageira que notais no rosto do vosso filho, ou da vossa filha, ó mãe, faz nascer tanta ternura no vosso coração, e tomais tanto a peito conservar a vossos filhos essa vida que de vós tiveram: de que caridade não deveis ser abrasada, para com as suas almas, de quem a fé vos descobre a excelên­cia? Com que infinito cuidado não devereis preser­vá-las de tudo o que poderia desfigurar a sua so­brenatural beleza, e extinguir nelas a imagem de Deus? O que não deveríeis tentar para as retirardes do medonho perigo duma perda eterna, quando o pecado a tanto as condenasse?
Santo Agostinho teve a infelicidade de esquecer-se de Deus, durante a sua mocidade. Eis o que depois da sua conversão ele próprio escreveu, acerca de sua mãe: «No tempo dos meus erros,[2] ela chorava-me bem mais amargamente, do que outra qualquer chora um filho sepultado. As suas lágri­mas corriam com abundância… e com elas regava a terra por toda a parte, onde erguia para vós as suas preces, ó meu Deus; a todas as horas do dia Vos dirigia súplicas e gemidos, por minha inten­ção… Viu-me partir para Roma, e o seu coração parecia despedaçar-se, seguindo-me até à beira-mar. Obstinava-se em não me deixar, pedindo-me que consentisse me fizesse companhia. 
Durante a minha ausência, continuou a orar por mim, e Vós, o Deus, que estáveis presente, em toda a parte, onde quer que ela estava a escutáveis; e também para onde eu estava, voltáveis os Vossos olhos piedosos, resti­tuindo-me a saúde ao meu corpo enfraquecido após uma grave doença… E não permitistes que eu mor­resse nesse estado, o que seria para mim uma dupla morte, e para o coração de minha mãe uma ferida de que não poderia restabelecer-se, porque não sei exprimir em que elevado grau por ela era amado, nem quantas dores a dilaceravam. Sem dúvida que também havia de sentir a morte dum filho que muito amava, e esse fato seria um golpe profundo no seu coração. Um dia pediu a um bispo o favor de falar algum tempo comigo, a ver se me convencia a voltar para Deus, (o que ela fazia a todas as pes­soas que julgava terem alguma autoridade, para me demoverem a isso). — «Pois, minha filha, res­pondeu o bispo, continuai a orar, porque não é pos­sível que o filho de tantas lágrimas se possa perder.» Com efeito, Deus das misericórdias, teríeis Vós hu­milhado o coração duma viúva casta, de costumes severos e rígidos, generosa para com os pobres… que nunca deixava de freqüentar o templo, de manhã e de tarde, para aí ouvir a Vossa palavra, e ser ouvida por Vós, nas suas orações? Teríeis podido, ó meu Deus, desprezar as lágrimas da mulher que não Vos pedia ouro nem prata, nem alguns dos bens passageiros e mortais, mas a saúde da alma de seu filho?… Minha mãe, continua ele, a quem a pie­dade dava uma grande força da alma, veio ter comigo a Milão, tendo-me seguido por mar e por terra, sempre tranquila, nos maiores perigos, pela con­fiança que tinha em Vós, e não tinha cessado de me chorar noite e dia, como se eu tivesse morrido, e a quem Vós devíeis ressuscitar.»
Chegada a Milão, pôs-se Santa Mônica em rela­ções com Santo Ambrósio, de quem o filho admi­rava a eloqüência, e procurou tornar freqüentes e íntimas as relações do filho com o santo bispo. Mui­tas vezes levava consigo o filho, quando visitava o prelado, e algumas vezes o mandava só, ora com um pretexto, ora com outro, aparentemente para lhe pedir conselhos sobre um ponto que lhe dizia respeito, mas na realidade, para fornecer ao filho ocasião de conversar com o santo doutor. Enfim, depois de vinte anos de gemidos e de súplicas, teve Santa Mônica a ventura de ver seu filho receber o batismo e abraçar uma vida de desinteresse e de sacrifício.
Algum tempo mais tarde, chegando com ele à praia, decidida a embarcar para África, no fim de uma sublime conversa, acerca do Céu, pelo qual só viviam essas duas grandes almas, disse Santa Mônica a Santo Agostinho: — «Meu filho, nada agora me retém sobre a terra; já não sei porque aqui me con­servo, visto que já realizei todas as minhas esperan­ças. Só desejava viver, para te ver cristão e católico, antes da minha morte. Deus fez mais, pois que te vejo desprezar toda a felicidade terrestre para O ser­vir. Que faço, pois, aqui agora?» [3] E catorze dias depois, Santa Mônica exalava o último suspiro, nos braços de seu filho.
Leonor de Bergh, princesa católica, tinha despo­sado Frederico Maurício de la Tour-d’Auvergne, duque de Bouillon, à maneira dos fiéis da primitiva igreja, com a condição de que, abjurando a heresia, entraria no seio da Igreja; o que ele efetivamente cumpriu, desprezando as sugestões do sua família e dos seus interesses temporais mais manifestos.
Prematuramente viúva, a duqueza de Bouillon mostrou pela salvação de cinco filhos e de cinco filhas que seu esposo lhe tinha deixado, uma solici­tude, cujos testemunhos são tão brilhantes e tão extraordinários, que de certo não seriam acreditados, se não fossem atestados por monumentos de que se não pode duvidar. A perseverança de seus filhos na fé verdadeira, que ela teve a glória de restabelecer na casa de Bouillon, foi desde então a única ocupa­ção da sua vida.
Mas, pressentindo, ao que parece, que também morria prematuramente, e assustada com o pensa­mento de deixar os tenros órfãos, sob a temível in­fluência dos parentes do finado duque, todos calvinistas ardentes, tomou, por meio do testamento, disposições tais, que se pode afirmar que nunca, pelo menos por semelhante forma, se fez tão assi­nalada e tão admirável profissão de fé. Neste ato das suas últimas vontades, Leonor de Bergh não trata senão duma coisa, — a fé de seus filhos. Institui o rei, o parlamento, os bispos, os senho­res católicos, seus tutores honorários, implorando com lágrimas ao monarca, aos magistrados e aos prelados, que vigiassem não pelos bens temporais ou pelo seu futuro no mundo, mas única, mas sim­plesmente pela pureza da sua alma, pelo interesse da sua salvação, único ponto que ela tomava a peito.
Ordena aos cinco irmãos, e às cinco irmãs, que ficavam órfãos na terra, que lessem freqüentemente, durante toda a sua vida, este testamento, onde se expande com efusão o amor do seu zelo pela religião católica, a fim de se afervorarem cada vez mais por esta leitura na sua fé. Tendo tido a precaução de fazer escrever e de assinar, na sua presença, por cada um de seus filhos, a promessa de morrer cató­lico, ordena que imediatamente depois da sua morte essa promessa seja posta entre os seus dedos gela­dos, para ficar com ela encerrada na sepultura. E isto ainda não é tudo. Exige que os filhos que se conservarem fiéis, reneguem e nunca mais conheçam aquele que dentre eles tiver traído a sua fé e a sua assinatura.
«No dia — dizia ela depois, — em que nós ressus­citarmos todos juntos, voltarei meus olhos para vós; e se houver algum que se tivesse desmentido da sua palavra, dir-lhe-hei: — «Vai, maldito e desgraçado! Vai, pérfido e desleal, não te reconheço por meu filho; tu foste falso à fé de Deus, à Sua Igreja, a tua mãe, à tua própria assinatura; vai-te!… »
Pelo que fica exposto, julgar-se-á, sem dúvida, que todos os recursos da ternura maternal ficaram esgotados, e que, para ter a certeza de que a fé seria conservada no coração de seus filhos, nada mais podia fazer a duquesa de Bouillon. Pois enga­nar-se-ia quem tal pensasse.
Convencida de que a fé católica é um bem su­perior a todos os bens, essa incomparável mãe ainda vai encontrar um supremo recurso, — o de se ofere­cer ela própria como vítima. Na sua indizível apre­ensão de que um só de seus filhos, um só, pudesse, em assunto religioso, vir a vacilar uma única vez, implorava de Deus, como um insigne favor, de ficar até ao juízo final no Purgatório, se Deus assim o quisesse, e por esse único prêmio, conceder-lhe a inabalável perseverança de todos os seus filhos na fé católica. Já era amor de mãe!
Os filhos da ilustre e virtuosa princesa não foram, nem podiam ser, indignos de tão admirável solici­tude. Um deles foi cardeal da santa Igreja Romana; duas de suas filhas, apesar de todo o esplendor da sua posição, beleza e imensa riqueza, abandonaram as felicidades e grandezas humanas, e foram procu­rar o paraíso na terra, nos sofrimentos e na obscuri­dade do convento das carmelitas; — todos enfim perseveraram…
Felizes as mães, que, para com seus filhos, são animadas do mesmo zelo, que as mulheres admirá­veis, cujos exemplos acabamos de citar! Terão, neste mundo a consolação de ver os seus filhos amar e servir a Deus. Disse de Maistre, com razão: «Se a mãe souber cumprir os seus deveres, imprimin­do profundamente na fronte de seu filho o caráter divino, pode estar certa de que a mão do vício nunca mais o apagará. O jovem poderá desviar-se do seu caminho, mas descreverá, se me permitis esta ex­pressão, uma curva reentrante, que o trará ao ponto donde tinha partido.» E, acrescentamos nós, até mesmo nos seus erros e desvios, conservará tris­tezas e remorsos, sinais dum próximo arrependi­mento.
Mas porque será, que, num século em que a cari­dade tanto se esfriou, esteja extinto o zelo no cora­ção de algumas mulheres mundanas? Porque, prodi­galizando sem cessar a seus filhos sinais de ternura, não amam neles, senão o corpo, visto que a fé deixou de existir nas suas afeições naturais, por onde se colige, que elas não amam. Sócrates dizia a Aleibíades: —«O que não ama se não o vosso corpo, não ama Alcibíades; porque o que vos ama verdadeira­mente, ama a vossa alma». — Queridas crianças, que apenas sois amadas, dum modo natural, vós não sois amadas por vossa mãe! Que horrível desgraça! Seme­lhante a essa ave cruel, que mete os ovos na terra, e os abandona, vossa mãe não trata senão de vos procurar os gozos do mundo, e soterrando-vos também, não prepara a vossa felicidade no Céu. Preservando-vos, com uma atenta solicitude das quedas, que pode­riam comprometer a vossa vida, não receia os abis­mos, em que se pode precipitar a vossa alma!
Ó infelizes mulheres, para que fostes vós mães? Seria somente para dar aos entes, que fizestes colo­car na terra, a vida corporal, que os animais dão ao seu fruto? Antes as vossas entranhas ficassem, para sempre estéreis! Foi uma verdadeira desgraça o nascimento do vosso filho, pois que, por vossa negligência viestes chamar a desgraça sobre a vossa cabeça, e sobre a cabeça de vossos filhos! Quando, no tribunal de Deus, as infelizes vítimas da vossa negligência gritarem contra vós mais eloqüente­mente que o sangue de Abel gritava contra Caim, que haveis vós de responder?
Ó Maria, ó Vós a quem a sede das almas fez des­cer do Céu sobre uma montanha dos Alpes, para der­ramardes sobre os vossos filhos, que se perdem, lá­grimas abundantes de graça, deixai cair no coração de todas as mães uma centelha desse zelo que abrasa o Vosso!
Notas:
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[1] Citado pelo Padre Sainte-Jure, de quem extraíamos algumas das reflexões contidas neste artigo.
[2] O Santo Agostinho — Confissões.
[3] Abade Bougaud.
A Mãe segundo a vontade de Deus – Pe. J. Berthier, M.S

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