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O SEXTO MANDAMENTO



«Não cometerás adultério» (Ex 20, l4) (82).

«Ouvistes que foi dito: "Não cometerás adultério". Eu, porém, digo-vos: Todo
aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no
seu coração» (Mt 5, 27-28).

I. «Homem e mulher os criou»...

2331. «Deus é amor e vive em Si mesmo um mistério de comunhão pessoal de
amor. Ao criar a humanidade do homem e da mulher à sua imagem [...] Deus
inscreveu nela a vocação para o amor e para a comunhão e, portanto, a
capacidade e a responsabilidade correspondentes» (83).
«Deus criou o homem à sua imagem; [...] homem e mulher os criou» (Gn 1, 27);
«Crescei e multiplicai-vos» (Gn 1, 28); «Quando Deus criou o ser humano, fê-lo à
semelhança de Deus. Criou-os homem e mulher e abençoou-os; e chamou-lhes
«Adão» no dia em que os criou»(Gn 5, 1-2).
2332. A sexualidade afecta todos os aspectos da pessoa humana, na unidade do
seu corpo e da sua alma. Diz respeito particularmente à afectividade, à capacidade
de amar e de procriar, e, de um modo mais geral, à aptidão para criar laços de
comunhão com outrem.
2333. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar a
sua identidade sexual. A diferença e a complementaridade físicas, morais e
espirituais orientam-se para os bens do matrimónio e para o progresso da vida
familiar. A harmonia do casal e da sociedade depende, em parte, da maneira como
são vividos, entre os sexos, a complementaridade, a necessidade mútua e o apoio
recíproco.
2334. «Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus conferiu a dignidade pessoal,
de igual modo ao homem e à mulher» (84). «O homem é uma pessoa; e isso na
mesma medida para o homem e para a mulher, porque ambos são criados à
imagem e semelhança dum Deus pessoal» (85).
2335. Cada um dos dois sexos é, com igual dignidade, embora de modo diferente,
imagem do poder e da ternura de Deus. A união do homem e da mulher no
matrimónio é um modo de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do
Criador: «O homem deixará o seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher; e os
dois serão uma só carne» (Gn 2, 24). Desta união procedem todas as gerações
humanas (86).
2336. Jesus veio restaurar a criação na pureza das suas origens. No sermão da
montanha, interpreta de modo rigoroso o desígnio de Deus:
«Ouvistes que foi dito: "Não cometerás adultério". Eu, porém, digo-vos: Todo
aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no
seu coração» (Mt 5, 27-28). Não separe o homem o que Deus uniu (87).
A Tradição da Igreja entendeu o sexto mandamento como englobando o conjunto
da sexualidade humana.

II. A vocação à castidade

2337. A castidade significa a integração conseguida da sexualidade na pessoa, e
daí a unidade interior do homem no seu ser corporal e espiritual. A sexualidade,
na qual se exprime a pertença do homem ao mundo corporal e biológico, torna-se
pessoal e verdadeiramente humana quando integrada na relação de pessoa a
pessoa, no dom mútuo total e temporalmente ilimitado, do homem e da mulher.
A virtude da castidade engloba, portanto, a integridade da pessoa e a
integralidade da doação.
A INTEGRIDADE DA PESSOA
2338. A pessoa casta mantém a integridade das forças de vida e de amor em si
depositadas. Esta integridade garante a unidade da pessoa e opõe-se a qualquer
comportamento susceptível de a ofender. Não tolera nem a duplicidade da vida,
nem a da linguagem (88).
2339. A castidade implica uma aprendizagem do domínio de si, que é uma
pedagogia da liberdade humana. A alternativa é clara: ou o homem comanda as
suas paixões e alcança a paz, ou se deixa dominar por elas e torna-se infeliz (89).
«A dignidade do homem exige que ele proceda segundo uma opção consciente e
livre, isto é, movido e determinado por uma convicção pessoal e não sob a pressão
de um cego impulso interior ou da mera coacção externa. O homem atinge esta
dignidade quando, libertando-se de toda a escravidão das paixões, prossegue o seu
fim na livre escolha do bem e se procura de modo eficaz e com diligente iniciativa
os meios adequados» (90).
2340. Aquele que quiser permanecer fiel às promessas do seu Baptismo e resistir
às tentações, terá o cuidado de procurar os meios: o conhecimento de si, a prática
duma ascese adaptada às situações em que se encontra, a obediência aos
mandamentos divinos, a prática das virtudes morais e a fidelidade à oração. «A
continência, na verdade, recolhe-nos e reconduz-nos àquela unidade que tínhamos
perdido, dispersando-nos na multiplicidade» (91).
2341. A virtude da castidade gira na órbita da virtude cardial da temperança, a
qual visa impregnar de razão as paixões e os apetites da sensibilidade humana.
2342. O domínio de si é uma obra de grande fôlego. Nunca poderá considerar-se
total e definitivamente adquirido. Implica um esforço constantemente retomado,
em todas as idades da vida (92); mas o esforço requerido pode ser mais intenso em
certas épocas, como quando se forma a personalidade, durante a infância e a
adolescência.
2343. A castidade conhece leis de crescimento e passa por fases marcadas pela
imperfeição, muitas vezes até pelo pecado. O homem virtuoso e casto «constrói-se
dia a dia com as suas numerosas decisões livres. Por isso, conhece, ama e cumpre o
bem moral segundo fases de crescimento» (93).
2344. A castidade representa uma tarefa eminentemente pessoal; implica também
um esforço cultural, porque existe «interdependência entre o desenvolvimento da
pessoa e o da própria sociedade» (94). A castidade pressupõe o respeito pelos
direitos da pessoa, particularmente o de receber uma informação e educação que
respeitem as dimensões morais e espirituais da vida humana.
2345. A castidade é uma virtude moral. Mas é também um dom de Deus,
uma graça, um fruto do trabalho espiritual (95). O Espírito Santo concede a graça
de imitar a pureza de Cristo (96) àquele que regenerou pela água do Baptismo.
A INTEGRALIDADE DO DOM DE SI
2346. A caridade é a forma de todas as virtudes. Sob a sua influência, a castidade
aparece como uma escola de doação da pessoa. O domínio de si ordena-se para o
dom de si. A castidade leva quem a pratica a tornar-se, junto do próximo,
testemunha da fidelidade e da ternura de Deus.
2347. A virtude da castidade expande-se na amizade. Indica ao discípulo o modo de
seguir e imitar Aquele que nos escolheu como seus próprios amigos (97), que Se
deu totalmente a nós e nos faz participar da sua condição divina. A castidade é
promessa de imortalidade.
A castidade exprime-se especialmente na amizade para com o
próximo. Desenvolvida entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, a
amizade representa um grande bem para todos. Conduz à comunhão espiritual.
OS DIVERSOS REGIMES DA CASTIDADE
2348. Todo o baptizado é chamado à castidade. O cristão «revestiu-se de Cristo»
(98), modelo de toda a castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar
uma vida casta, segundo o seu estado de vida particular. No momento do seu
Baptismo, o cristão comprometeu-se a orientar a sua afectividade na castidade.
2349. «A castidade deve qualificar as pessoas segundo os seus diferentes estados
de vida: uns, na virgindade ou celibato consagrado, forma eminente de se
entregarem mais facilmente a Deus com um coração indiviso: outros, do modo que
a lei moral para todos determina, e conforme são casados ou solteiros» (99). As
pessoas casadas são chamadas a viver a castidade conjugal; as outras praticam a
castidade na continência:
«Existem três formas da virtude da castidade: uma, das esposas: outra, das viúvas;
a terceira, da virgindade. Não louvamos uma com exclusão das outras. [...] É nisso
que a disciplina da Igreja é rica» (100).
2350. Os noivos são chamados a viver a castidade na continência. Eles farão, neste
tempo de prova, a descoberta do respeito mútuo, a aprendizagem da fidelidade e
da esperança de se receberem um ao outro de Deus. Reservarão para o tempo do
matrimónio as manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-seão
mutuamente a crescer na castidade.
AS OFENSAS À CASTIDADE
2351. A luxúria é um desejo desordenado ou um gozo desregrado de prazer
venéreo. O prazer sexual é moralmente desordenado quando procurado por si
mesmo, isolado das finalidades da procriação e da união.
2352. Por masturbação entende-se a excitação voluntária dos órgão genitais, para
daí retirar um prazer venéreo. «Na linha duma tradição constante, tanto o
Magistério da Igreja como o sentido moral dos fiéis têm afirmado sem hesitação
que a masturbação é um acto intrínseca e gravemente desordenado». «Seja qual
for o motivo, o uso deliberado da faculdade sexual fora das normais relações
conjugais contradiz a finalidade da mesma». O prazer sexual é ali procurado fora
da «relação sexual requerida pela ordem moral, que é aquela que realiza, no
contexto dum amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da
procriação humana» (101).
Para formar um juízo justo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos, e para
orientar a acção pastoral, deverá ter-se em conta a imaturidade afectiva, a força
de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros factores psíquicos ou sociais
que podem atenuar, ou até reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral.
2353. A fornicação é a união carnal fora do matrimónio entre um homem e uma
mulher livres. É gravemente contrária à dignidade das pessoas e da sexualidade
humana, naturalmente ordenada para o bem dos esposos, assim como para a
geração e educação dos filhos. Além disso, é um escândalo grave, quando há
corrupção dos jovens.
2354. A pornografia consiste em retirar os actos sexuais, reais ou simulados, da
intimidade dos parceiros, para os exibir a terceiras pessoas, de modo deliberado.
Ofende a castidade, porque desnatura o acto conjugal, doação íntima dos esposos
um ao outro. É um grave atentado contra a dignidade das pessoas intervenientes
(actores, comerciantes, público), uma vez que cada um se torna para o outro
objecto dum prazer vulgar e dum lucro ilícito. E faz mergulhar uns e outros na
ilusão dum mundo fictício. É pecado grave. As autoridades civis devem impedir a
produção e a distribuição de material pornográfico.
2355. A prostituição é um atentado contra a dignidade da pessoa que se prostitui,
reduzida ao prazer venéreo que dela se tira. Quem paga, peca gravemente contra
si mesmo: quebra a castidade a que o obriga o seu Baptismo e mancha o seu corpo,
que é templo do Espírito Santo (102). A prostituição constitui um flagelo social.
Envolve habitualmente mulheres, mas também homens, crianças ou adolescentes
(nestes dois últimos casos, o pecado duplica com o escândalo). É sempre
gravemente pecaminoso entregar-se à prostituição; mas a miséria, a chantagem e
a pressão social podem atenuar a imputabilidade do pecado.
2356. A violação designa a entrada na intimidade sexual duma pessoa à força, com
violência. É um atentado contra a justiça e a caridade. A violação ofende
profundamente o direito de cada um ao respeito, à liberdade e à integridade física
e moral. Causa um prejuízo grave, que pode marcar a vítima para toda a vida. É
sempre um acto intrinsecamente mau. É mais grave ainda, se cometido por
parentes próximos (incesto) ou por educadores contra crianças a eles confiadas.
CASTIDADE E HOMOSSEXUALIDADE
2357 A homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que
experimentam uma atracção sexual exclusiva ou predominante para pessoas do
mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das
culturas. A sua génese psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiandose
na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves (103) a
Tradição sempre declarou que «os actos de homossexualidade são intrinsecamente
desordenados» (104). São contrários à lei natural, fecham o acto sexual ao dom da
vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afectiva sexual, não
podem, em caso algum, ser aprovados.
2358. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências
homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objectivamente
desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser
acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles,
qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na
sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do
Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.
2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do
autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma
amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem
aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.

III. O amor dos esposos

2360. A sexualidade ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher. No
matrimónio, a intimidade corporal dos esposos torna-se sinal e penhor de
comunhão espiritual. Entre os baptizados, os laços do matrimónio são santificados
pelo sacramento.
2361. «A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se dão um ao outro
com os actos próprios e exclusivos dos esposos, não é algo de puramente biológico,
mas diz respeito à pessoa humana como tal, no que ela tem de mais íntimo. Esta
só se realiza de maneira verdadeiramente humana se for parte integrante do
amor com o qual homem e mulher se comprometem totalmente um para com o
outro até à morte» (105).
«Tobias ergueu-se do leito e disse [...] [a Sara]: "Irmã, levanta-te; vamos orar ao
Senhor e pedir-lhe que nos conceda a sua misericórdia e salvação". Levantaram-se
ambos e puseram-se a orar e a implorar que lhes fosse enviada a salvação,
dizendo: "Bendito sejas, Deus dos nossos pais [...]. Tu criaste Adão e deste-lhe Eva,
sua esposa, como amparo valioso, e de ambos procedeu o género humano. Com
efeito, disseste: 'Não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe uma auxiliar
semelhante a ele'. Agora, Senhor, Tu bem sabes que não é por luxúria que agora
tomo por esposa esta minha irmã, mas é com intenção pura. Permite, pois, que eu
e ela encontremos misericórdia e cheguemos juntos à velhice» (Tb 8, 4-9).
2362. «Os actos pelos quais os esposos se unem íntima e castamente são honestos
e dignos; realizados de modo autenticamente humano, exprimem e alimentam a
mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro com alegria e gratidão»
(106). A sexualidade é fonte de alegria e de prazer:
«Foi o próprio Criador Quem [...] estabeleceu que, nesta função [da geração], os
esposos experimentassem prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os
esposos não fazem nada de mal ao procurar este prazer e gozar dele. Aceitam o
que o Criador lhes destinou. No entanto, devem saber manter-se dentro dos
limites duma justa moderação» (107).
2363. Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimónio: o bem dos
próprios esposos e a transmissão da vida. Não podem separar-se estes dois
significados ou valores do matrimónio sem alterar a vida espiritual do casal nem
comprometer os bens do matrimónio e o futuro da família.
O amor conjugal do homem e da mulher está, assim, colocado sob a dupla
exigência da fidelidade e da fecundidade.
A FIDELIDADE CONJUGAL
2364. Ambos os esposos constituem «uma íntima comunidade de vida e de amor,
fundada pelo Criador e por Ele dotada de leis próprias». Esta comunidade «é
instaurada pela aliança conjugal, ou seja, por um irrevogável consentimento
pessoal» (108). Os dois entregam-se, definitiva e totalmente, um ao outro.
Doravante, já não são dois, mas uma só carne. A aliança livremente contraída
pelos esposos impõe-lhes a obrigação de a manter una e indissolúvel (109). «O que
Deus uniu, não o separe o homem»(Mc 10, 9) (110).
2365. A fidelidade exprime a constância em manter a palavra dada. Deus é fiel. O
sacramento do matrimónio introduz o homem e a mulher na fidelidade de Cristo à
sua Igreja. Pela castidade conjugal, eles dão testemunho deste mistério perante o
mundo.
São João Crisóstomo sugere aos jovens casados que façam este discurso às suas
esposas: «Tomei-te nos meus braços, amo-te e prefiro-te à minha própria vida.
Porque a vida presente não é nada e o meu sonho mais ardente é passá-la contigo,
de tal maneira que tenhamos a certeza de não ser separados naquela que nos está
reservada [...]. Eu ponho o teu amor acima de tudo, e nada me seria mais penoso
do que não ter os mesmos pensamentos que tu» (111).
A FECUNDIDADE DO MATRIMÓNIO
2366. A fecundidade é um dom, uma finalidade do matrimónio, porque o amor
conjugal tende naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora juntar-se ao
amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é
fruto e complemento. Por isso, a Igreja, que «toma partido pela vida» (112), ensina
que «todo o acto matrimonial deve, por si estar aberto à transmissão da vida»
(113). «Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, funda-se sobre o nexo
indissolúvel estabelecido por Deus e que o homem não pode quebrar por sua
iniciativa, entre os dois significados inerentes ao acto conjugal: união e
procriação» (114).
2367. Chamados a dar a vida, os esposos participam do poder criador e da
paternidade de Deus (115). «No dever de transmitir e educar a vida humana –
dever que deve ser considerado como a sua missão própria – saibam os esposos
que são cooperadores do amor de Deus e como que os seus intérpretes.
Cumprirão, pois, esta missão, com responsabilidade humana e cristã» (116).
2368. Um aspecto particular desta responsabilidade diz respeito à regulação da
procriação. Os esposos podem querer espaçar o nascimento dos seus filhos por
razões justificadas (117). Devem, porém, verificar se tal desejo não procede do
egoísmo, e se está de acordo com a justa generosidade duma paternidade
responsável. Além disso, regularão o seu comportamento segundo os critérios
objectivos da moralidade:
«Quando se trata de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da
vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da
intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios
objectivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus actos; critérios que
respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da
procriação humana. Tudo isto só é possível, se se cultivar sinceramente a virtude
da castidade conjugal» (118).
2369. «É salvaguardando estes dois aspectos essenciais, união e procriação, que o
acto conjugal conserva integralmente o sentido de mútuo e verdadeiro amor e a
sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade» (119).
2370. A continência periódica, os métodos de regulação dos nascimentos baseados
na auto-observação e no recurso aos períodos infecundos (120), são conformes aos
critérios objectivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos,
estimulam a ternura entre eles e favorecem a educação duma liberdade autêntica.
Em contrapartida, é intrinsecamente má «qualquer acção que, quer em previsão
do acto conjugal, quer durante a sua realização, quer no desenrolar das suas
consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a
procriação» (121).
«À linguagem que exprime naturalmente a doação recíproca e total dos esposos, a
contracepção opõe uma linguagem objectivamente contraditória, segundo a qual
já não se trata de se darem totalmente um ao outro. Daí deriva, não somente a
recusa positiva da abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade
interna do amor conjugal, chamado a ser um dom da pessoa toda. [...] Esta
diferença antropológica e moral, entre a contracepção e o recurso aos ritmos
periódicos, implica dois conceitos de pessoa e de sexualidade humana irredutíveis
um ao outro» (122).
2371. «Aliás, todos devem ter bem presente que a vida humana e a missão de a
transmitir não se limitam aos horizontes deste mundo, nem podem ser medidas ou
compreendidas unicamente em função dele, mas estão sempre relacionadas com o
destino eterno do homem» (123).
2372. O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadãos. A tal título, é legítimo
que intervenha para orientar o crescimento da população. Pode fazê-lo mediante
uma informação objectiva e respeitosa, não porém com imposições autoritárias e
obrigatórias. O Estado não pode legitimamente substituir-se à iniciativa dos
esposos, primeiros responsáveis pela procriação e educação dos seus filhos (124).
Neste domínio, não tem autoridade para intervir com medidas contrárias à lei
moral.
O DOM DO FILHO
2373. A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja vêem nas famílias
numerosas um sinal da bênção divina e da generosidade dos pais (125).
2374. É grande o sofrimento dos casais que descobrem que são estéreis. «Que me
dareis, Senhor Deus?» – pergunta Abraão a Deus. «Vou-me sem filhos...» (Gn 15,
2). – «Dá-me filhos ou então morro!» – grita Raquel ao seu marido Jacob (Gn 30,
1).
2375. As pesquisas que se destinam a reduzir a esterilidade humana devem ser
encorajadas, com a condição de serem colocadas «ao serviço da pessoa humana,
dos seus direitos inalienáveis e do seu bem verdadeiro e integral, em
conformidade com o projecto e a vontade de Deus» (126).
2376. As técnicas que provocam a dissociação dos progenitores pela intervenção
duma pessoa estranha ao casal (dádiva de esperma ou ovócito, empréstimo de
útero) são gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação e fecundação
artificial heteróloga) lesam o direito do filho a nascer dum pai e duma mãe seus
conhecidos e unidos entre si pelo casamento. E atraiçoam «o direito exclusivo a
não serem nem pai nem mãe senão um pelo outro» (127).
2377. Praticadas no seio do casal, estas técnicas (inseminação e fecundação
artificial homóloga) são talvez menos prejudiciais, mas continuam moralmente
inaceitáveis. Dissociam o acto sexual do acto procriador. O acto fundador da
existência do filho deixa de ser um acto pelo qual duas pessoas se dão uma à outra,
e «remete a vida e a identidade do embrião para o poder dos médicos e biólogos.
Instaurando o domínio da técnica sobre a origem e destino da pessoa humana. Tal
relação de domínio é, de si, contrária à dignidade e à igualdade que devem ser
comuns aos pais e aos filhos» (128). «A procriação é moralmente privada da sua
perfeição própria, quando não é querida como fruto do acto conjugal, isto é, do
gesto específico da união dos esposos. [...] Só o respeito pelo laço que existe entre
os significados do acto conjugal e o respeito pela unidade do ser humano permite
uma procriação conforme à dignidade da pessoa» (129).
2378. O filho não é uma dívida, é uma dádiva. O «dom mais excelente do
matrimónio» é uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado como
objecto de propriedade, conclusão a que levaria o reconhecimento dum pretenso
«direito ao filho». Neste domínio, só o filho é que possui verdadeiros direitos: o de
«ser fruto do acto específico do amor conjugal dos seus pais, e também o de ser
respeitado como pessoa desde o momento da sua concepção» (130).
2379. O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os
esposos que, depois de esgotados os recursos médicos legítimos, sofrem de
infertilidade, associar-se-ão à cruz do Senhor, fonte de toda a fecundidade
espiritual. Podem mostrar a sua generosidade adoptando crianças abandonadas ou
realizando serviços significativos em favor do próximo.

IV. As ofensas à dignidade do matrimónio

2380. O adultério. É o termo que designa a infidelidade conjugal. Quando dois
parceiros, dos quais pelo menos um é casado, estabelecem entre si uma relação
sexual, mesmo efémera, cometem adultério. Cristo condena o adultério, mesmo de
simples desejo (131). O sexto mandamento e o Novo Testamento proíbem
absolutamente o adultério (132). Os profetas denunciam-lhe a gravidade. E vêem
no adultério a figura do pecado da idolatria (133).
2381. O adultério é uma injustiça. Aquele que o comete, falta aos seus
compromissos. Viola o sinal da Aliança, que é o vínculo matrimonial, lesa o direito
do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimónio, violando o contrato
em que assenta. Compromete o bem da geração humana e dos filhos que têm
necessidade da união estável dos pais.
O DIVÓRCIO
2382. O Senhor Jesus insistiu na intenção original do Criador, que queria um
matrimónio indissolúvel (134). E abrogou as tolerâncias que se tinham infiltrado na
antiga Lei (135).
Entre baptizados, «o matrimónio rato e consumado não pode ser dissolvido por
nenhum poder humano, nem por nenhuma causa, além da morte» (136).
2383. A separação dos esposos, permanecendo o vínculo matrimonial, pode ser
legítima em certos casos previstos pelo direito canónico (137).
Se o divórcio civil for a única maneira possível de garantir certos direitos
legítimos, tais como o cuidado dos filhos ou a defesa do património, pode ser
tolerado sem constituir falta moral.
2384. O divórcio é uma ofensa grave à lei natural. Pretende romper o contrato
livremente aceite pelos esposos de viverem um com o outro até à morte. O
divórcio é uma injúria contra a aliança da salvação, de que o matrimónio
sacramental é sinal. O facto de se contrair nova união, embora reconhecida pela
lei civil, aumenta a gravidade da ruptura: o cônjuge casado outra vez encontra-se
numa situação de adultério público e permanente:
«Não é lícito ao homem, despedida a esposa, casar com outra; nem é legítimo que
outro tome como esposa a que foi repudiada pelo marido»(138).
2385. O carácter imoral do divórcio advém-lhe também da desordem que introduz
na célula familiar e na sociedade. Esta desordem traz consigo prejuízos graves:
para o cônjuge que fica abandonado; para os filhos, traumatizados pela separação
dos pais e, muitas vezes, objecto de contenda entre eles; e pelo seu efeito de
contágio, que faz dele uma verdadeira praga social.
2386. Pode acontecer que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio
declarado pela lei civil; esse, então, não viola o preceito moral. Há uma grande
diferença entre o cônjuge que sinceramente se esforçou por ser fiel ao sacramento
do matrimónio e se vê injustamente abandonado, e aquele que, por uma falta
grave da sua parte, destrói um matrimónio canonicamente válido (139).
OUTRAS OFENSAS À DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO
2387. É compreensível o drama daquele que, desejoso de se converter ao
Evangelho, se vê obrigado a repudiar uma ou mais mulheres com quem partilhou
anos de vida conjugal. Contudo, a poligamia não está de acordo com a lei moral.
«Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal: porque nega, de modo directo, o
desígnio de Deus, tal como nos foi revelado no princípio e é contrária à igual
dignidade pessoal da mulher e do homem, os quais, no matrimónio, se dão um ao
outro num amor total que, por isso mesmo, é único e exclusivo»(140). O cristão que
anteriormente foi polígamo é gravemente obrigado, por justiça, a honrar as
obrigações contraídas para com as suas antigas mulheres e respectivos filhos.
2388. O incesto designa relações íntimas entre parentes ou afins, num grau que
proíbe o matrimónio entre eles (141). São Paulo estigmatiza esta falta
particularmente grave: «É voz corrente que existe entre vós um caso de
imoralidade [...] ao ponto de certo homem viver com a mulher de seu pai! [...] Em
nome do Senhor Jesus [...], que esse homem seja entregue a Satanás [...] para
ruína do seu corpo» (1 Cor 5, 1. 4-5). O incesto corrompe as relações familiares e
representa uma regressão à animalidade.
2389. Podem relacionar-se com o incesto os abusos sexuais cometidos por adultos
em relação a crianças ou adolescentes confiados à sua guarda. Nesse caso a culpa é
dupla por se tratar dum escandaloso atentado contra a integridade física e moral
dos jovens, que assim ficarão marcados para toda a sua vida e duma violação da
responsabilidade educativa.
2390. Há união livre quando homem e mulher recusam dar forma jurídica e pública
a uma ligação que implica intimidade sexual.
A expressão é falaciosa: que pode significar uma união em que as pessoas não se
comprometem uma para com a outra, testemunhando assim uma falta de
confiança na outra, em si mesmas, ou no futuro?
A expressão tenta camuflar situações diferentes: concubinato, recusado
matrimónio como tal, incapacidade de se ligar por compromissos a longo prazo
(142). Todas estas situações ofendem a dignidade do matrimónio; destroem a
própria ideia de família; enfraquecem o sentido da fidelidade. São contrárias à lei
moral: o acto sexual deve ter lugar exclusivamente no matrimónio; fora dele
constitui sempre um pecado grave e exclui da comunhão sacramental.
2391. Hoje em dia, há muitos que reclamam uma espécie de «direito à
experiência», quando há intenção de contrair matrimónio. Seja qual for a firmeza
do propósito daqueles que enveredam por relações sexuais prematuras, «estas
não permitem assegurar que a sinceridade e a fidelidade da relação interpessoal
dum homem e duma mulher fiquem a salvo nem, sobretudo, que esta relação fique
protegida de volubilidade dos desejos e dos caprichos»(143). A união carnal só é
legítima quando se tiver instaurado uma definitiva comunidade de vida entre o
homem e a mulher. O amor humano não tolera o «ensaio». Exige o dom total e
definitivo das pessoas entre si (144).

Resumindo:
2392. «O amor é a vocação fundamental e inata de todo o ser humano» (145).
2393. Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus conferiu a dignidade pessoal,
de igual modo, a um e a outra. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer
e aceitar a sua identidade sexual.
2394. Cristo é o modelo da castidade. Todo o baptizado é chamado a levar uma
vida casta, cada um segundo o seu próprio estado de vida.
2395. A castidade significa a integração da sexualidade na pessoa. Implica a
aprendizagem do autodomínio.
2396. Entre os pecados gravemente contrários à castidade, devem citar-se: a
masturbação, a fornicação, a pornografia e as práticas homossexuais.
2397. A aliança livremente contraída pelos esposos implica um amor fiel. Ele
impõe-lhes a obrigação de guardar indissolúvel o seu matrimónio.
2398. A fecundidade é um bem, um dom, uma finalidade do matrimónio. Dando a
vida, os esposos participam da paternidade de Deus.
2399. A regulação dos nascimentos representa um dos aspectos da paternidade e
da maternidade responsáveis. A legitimidade das intenções dos esposos não
justifica o recurso a meios moralmente inadmissíveis (por exemplo, a esterilização
directa ou a contracepção).
2400. O adultério e o divórcio, a poligamia e a união livre são ofensas graves à
dignidade do matrimónio.

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