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A JUSTIÇA SOCIAL



1928. A sociedade garante a justiça social, quando realiza as condições que
permitem às associações e aos indivíduos obterem o que lhes é devido, segundo a
sua natureza e vocação. A justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício
da autoridade.

I. O respeito pela pessoa humana

1929. A justiça social só pode alcançar-se no respeito da dignidade transcendente
do homem. A pessoa constitui o fim último da sociedade, que está ordenada para
ela:
A defesa e promoção da dignidade da pessoa humana «foram-nos confiadas pelo
Criador, tarefa a que estão rigorosa e responsavelmente obrigados os homens e as
mulheres em todas as conjunturas da história (38).
1930. O respeito pela pessoa humana implica o dos direitos que dimanam da sua
dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e impõem-se-lhe.
Estão na base da legitimidade moral de qualquer autoridade: desprezando-os ou
recusando reconhecê-los na sua legislação positiva, uma sociedade atenta contra a
sua própria legitimidade moral (39). Faltando esse respeito, uma sociedade não
tem outra solução, senão o recurso à força e à violência, para obter a obediência
dos seus súbitos. É dever da Igreja trazer à memória dos homens de boa vontade
aqueles direitos, e distingui-los das reivindicações abusivas ou falsas.
1931. O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito pelo princípio: «Que
cada um considere o seu próximo, sem qualquer excepção, como «outro ele
mesmo», e zele, antes de mais, pela sua existência e pelos meios que lhe são
necessários para viver dignamente» (40). Nenhuma legislação será capaz, por si
mesma, de fazer desaparecer os temores, os preconceitos, as atitudes de orgulho e
egoísmo que são obstáculo ao estabelecimento de sociedades verdadeiramente
fraternas. Tais atitudes só desaparecem com a caridade, que vê em cada homem
um «próximo», um irmão.
1932. O dever de nos fazermos o «próximo» do outro, e de o servirmos
activamente, é tanto mais premente quanto esse outro for mais indefeso, seja em
que domínio for. «Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos,
a Mim o fizestes» (Mt 25, 40).
1933. Este mesmo dever é extensivo a todos os que pensam ou se comportam de
modo diferente de nós. A doutrina de Cristo chega a exigir o perdão das ofensas.
Ele estende o mandamento do amor, que é o da nova Lei, a todos os inimigos (41).
A libertação, no espírito do Evangelho, é incompatível com o ódio ao inimigo,
enquanto pessoa; embora não o seja com o ódio ao mal, que ele pode praticar
enquanto inimigo.

II. Igualdade e diferença entre os homens

1934. Criados à imagem do Deus único, dotados duma idêntica alma racional,
todos os homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo
sacrifício de Cristo, todos são chamados a participar da mesma bem-aventurança
divina. Todos gozam, portanto, de igual dignidade.
1935. A igualdade entre os homens assenta essencialmente na sua dignidade
pessoal e nos direitos que dela dimanam:
«Toda a espécie de discriminação relativamente aos direitos fundamentais da
pessoa, quer por razão do sexo, quer da raça, cor, condição social, língua ou
religião, deve ser ultrapassada e eliminada como contrária ao desígnio de Deus»
(42).
1936. Ao vir ao mundo, o homem não dispõe de tudo o que é necessário para o
desenvolvimento da sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Há
diferenças relacionadas com a idade, as capacidades físicas, as aptidões
intelectuais e morais, os intercâmbios de que cada um pôde beneficiar, a
distribuição das riquezas (43). Os «talentos» não são distribuídos por igual (44).
1937. Estas diferenças fazem parte do plano de Deus que quer que cada um receba
de outrem aquilo de que precisa e que os que dispõem de «talentos» particulares
comuniquem os seus benefícios aos que deles precisam. As diferenças estimulam e
muitas vezes obrigam as pessoas à magnanimidade, à benevolência e à partilha: e
incitam as culturas a enriquecerem-se umas às outras:
«Eu distribuo as virtudes tão diferentemente, que não dou tudo a todos, mas a uns
uma e a outros outra [...] A um darei principalmente a caridade, a outro a justiça,
a este a humildade, àquele uma fé viva. [...] E assim dei muitos dons e graças de
virtudes, espirituais e temporais, com tal diversidade, que não comuniquei tudo a
uma só pessoa, a fim de que vós fosseis forçados a usar de caridade uns para com
os outros; [...] Eu quis que um tivesse necessidade do outro e todos fossem meus
ministros na distribuição das graças e dons de Mim recebidos» (45).
1938. Mas também existem desigualdades iníquas que ferem milhões de homens e
de mulheres. Essas estão em contradição frontal com o Evangelho:
«A igual dignidade pessoal postula que se chegue a condições de vida mais
humanas e justas. Com efeito, as excessivas desigualdades económicas e sociais
entre os membros ou povos da única família humana provocam escândalo e são
obstáculo à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e,
finalmente, à paz social e internacional» (46).

III. A solidariedade humana

1939. O princípio da solidariedade, também enunciado sob o nome de «amizade»
ou de «caridade social», é uma exigência directa da fraternidade humana e cristã
(47):
Um erro, «hoje largamente espalhado, é o que esquece esta lei da solidariedade
humana e da caridade, ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela
igualdade da natureza racional entre todos os homens, seja qual for o povo a que
pertençam, como pelo sacrifício da redenção oferecido por Jesus Cristo no altar da
cruz ao Pai celeste, em favor da humanidade pecadora» (48).
1940. A solidariedade manifesta-se, em primeiro lugar, na repartição dos bens e
na remuneração do trabalho. Implica também o esforço por uma ordem social mais
justa, em que as tensões possam ser resolvidas melhor e os conflitos encontrem
mais facilmente uma saída negociada.
1941. Os problemas sócio-económicos só podem ser resolvidos com a ajuda de
todas as formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos com
os pobres, dos trabalhadores entre si, dos empresários e empregados na empresa;
solidariedade entre as nações e entre os povos. A solidariedade internacional é
uma exigência de ordem moral. Dela depende, em parte, a paz do mundo.
1942. A virtude da solidariedade vai além dos bens materiais. Ao difundir os bens
espirituais da fé, a Igreja favoreceu, por acréscimo, o desenvolvimento dos bens
temporais, a que, muitas vezes, abriu novos caminhos. Assim se verificou, ao longo
dos séculos, a Palavra do Senhor: «Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua
justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 33):
«Desde há dois mil anos que vive e persevera na alma da Igreja este sentimento,
que levou e ainda leva as almas até ao heroísmo caridoso dos monges
agricultores, dos libertadores de escravos, dos que cuidam dos doentes, dos
mensageiros da fé, da civilização, da ciência a todas as gerações e a todos os
povos, em vista a criar condições sociais capazes de a todos tornar possível uma
vida digna do homem e do cristão» (49).

Resumindo:
1943. A sociedade assegura a justiça social, realizando as condições que permitem
às associações e aos indivíduos obterem o que lhes é devido.
1944. O respeito pela pessoa humana considera o outro como «outro eu». Supõe o
respeito pelos direitos fundamentais, decorrentes da dignidade intrínseca da
pessoa.
1945. A igualdade entre os homens assenta na sua dignidade pessoal e nos
direitos que dela dimanam.
1946. As diferenças entre as pessoas fazem parte do desígnio de Deus que quer
que precisemos uns dos outros. Devem estimular a caridade.
1947. A igual dignidade das pessoas humanas exige esforços no sentido de reduzir
desigualdades sociais e económicas excessivas. Conduza o desaparecimento das
desigualdades iníquas.
1948. A solidariedade é uma virtude eminentemente cristã. Pratica a partilha dos
bens espirituais, ainda mais que a dos materiais.

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