«Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a mulher do próximo, nem o
seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, ou o seu jumento, nem nada que lhe
pertença» (Ex 20, 17).
«Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com
ela no seu coração» (Mt 5, 28).
2514. São João distingue três espécies de cupidez ou concupiscência: a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (253).
Segundo a tradição catequética católica, o nono mandamento proíbe a
concupiscência carnal; e o décimo, a cobiça dos bens alheios.
2515. Em sentido etimológico, «concupiscência» pode designar todas as formas
veementes de desejo humano. A teologia cristã deu-lhe o sentido particular de
impulso do apetite sensível, contrário aos ditames da razão humana. O apóstolo
São Paulo identifica-a com a revolta que a «carne» instiga contra o «espírito»
(254). Procede da desobediência do primeiro pecado (255). Desregra as faculdades
morais do homem e, sem ser nenhuma falta em si mesma, inclina o homem para
cometer pecado (256).
2516. No homem, porque é um ser integrado de espírito e corpo, já existe uma
certa tensão. Trava-se nele uma certa luta de tendências entre o «espírito» e a
«carne». Mas esta luta, de facto, faz parte da herança do pecado, é uma
consequência dele e, ao mesmo tempo, uma sua confirmação. Faz parte da
experiência quotidiana do combate espiritual:
«Para o Apóstolo, não se trata de desprezar e condenar o corpo que, com a alma
espiritual, constitui a natureza do homem e a sua personalidade de sujeito; pelo
contrário, ele fala das obras, ou antes, das disposições estáveis, virtudes e vícios,
moralmente boas ou más, que são o fruto da submissão (no primeiro caso) ou, pelo
contrário, da resistência (no segundo caso) à acção salvadora do Espírito
Santo. Épor isso que o Apóstolo escreve: "Se vivemos pelo Espírito, caminhemos
também segundo o espírito" (Gl 5, 25)» (257).
I. A purificação do coração
2517. O coração é a sede da personalidade moral: «Do coração procedem as más
intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições» (Mt 15, 19). A luta contra
a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e pela prática da
temperança:
«Mantém-te na simplicidade, na inocência, e serás como as criancinhas que
ignoram o mal, destruidor da vida dos homens» (258).
2518. A sexta bem-aventurança proclama: «Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus» (Mt 5, 8). Os «puros de coração» são os que puseram a
inteligência e a vontade de acordo com as exigências da santidade de Deus,
principalmente em três domínios: a caridade (259); a castidade ou rectidão sexual
(260); o amor da verdade e a ortodoxia da fé (261), Existe um nexo entre a pureza
do coração, do corpo e da fé:
Os fiéis devem crer nos artigos do Credo, «para que, crendo, obedeçam a Deus;
obedecendo a Deus, vivam como deve ser; vivendo como deve ser, purifiquem o
seu coração; e purificando o seu coração, compreendam aquilo em que crêem»
(262).
2519. Aos «puros de coração» é prometido que verão a Deus face a face e serão
semelhantes a Ele (263). A pureza do coração é condição prévia para a visão. Já
desde agora, permite-nos versegundo Deus, aceitar o outro como um «próximo» e
compreender o corpo humano, o nosso e o do próximo, como um templo do Espírito
Santo, uma manifestação da beleza divina.
II. O combate pela pureza
2520. O Baptismo confere a quem o recebe a graça da purificação de todos os
pecados. Mas o baptizado tem de continuar a lutar contra a concupiscência da
carne e os desejos desordenados. Com a graça de Deus, consegui-lo-ei:
– pela virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um
coração recto e sem partilha;
– pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o verdadeiro fim do
homem: com um olhar simples, o baptizado procura descobrir e cumprir em tudo a
vontade de Deus (264);
– pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina dos sentidos e da
imaginação; pela rejeição da complacência em pensamentos impuros que o
levariam a desviar-se do caminho dos mandamentos divinos: «a vista excita a
paixão dos insensatos» (Sb 15, 5).
– pela oração:
«Eu pensava que a continência dependia das minhas próprias forças, forças que em
mim não conhecia. E era suficientemente louco para não saber [...] que ninguém
pode ser continente, se Tu lho não concederes. E de certo Tu o terias concedido, se
com gemido interior eu chamasse aos teus ouvidos e se com fé sólida lançasse em
Ti o meu cuidado» (265).
2521. A pureza exige o pudor. O pudor é parte integrante da temperança. O pudor
preserva a intimidade da pessoa. Designa a recusa de mostrar o que deve ficar
oculto. Ordena-se à castidade e comprova-lhe a delicadeza. Orienta os olhares e as
atitudes em conformidade com a dignidade das pessoas e com a união que existe
entre elas.
2522. O pudor protege o mistério da pessoa e do seu amor. Convida à paciência e
à moderação na relação amorosa e exige que se cumpram as condições do dom e
do compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia.
Inspira a escolha do vestuário, mantém o silêncio ou o recato onde se adivinha o
perigo duma curiosidade malsã. O pudor é discrição.
2523. Existe um pudor dos sentimentos, tal como existe um pudor corporal. Ele
protesta, por exemplo, contra as explorações exibicionistas do corpo humano em
certa publicidade, ou contra a solicitação de certos meios de comunicação em ir
longe demais na revelação de confidências íntimas. O pudor inspira um modo de
viver que permite resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias
dominantes.
2524. As formas de que o pudor se reveste variam de cultura para cultura. No
entanto, ele continua a ser, em toda a parte, o pressentimento duma dignidade
espiritual própria do homem. Nasce com o despertar da consciência pessoal.
Ensinar o pudor às crianças e adolescentes é despertá-los para o respeito pela
pessoa humana.
2525. A pureza cristã exige uma purificação do ambiente social. Exige dos meios de
comunicação social uma informação preocupada com o respeito e o recato. A
pureza de coração liberta do erotismo difuso e afasta dos espectáculos que
favorecem a curiosidade mórbida e a ilusão.
2526. A chamada permissividade dos costumes assenta numa concepção errónea
da liberdade humana; para se edificar, esta precisa de se deixar educar
previamente pela lei moral. Deve pedir-se aos responsáveis pela educação que
ministrem à juventude um ensino respeitador da verdade, das qualidades do
coração e da dignidade moral e espiritual do homem.
2527. «A boa-nova de Cristo renova constantemente a vida e a cultura do homem
decaído; combate e repele os erros e os males provenientes da sedução sempre
ameaçadora do pecado. Purifica e eleva sem cessar a moralidade dos povos. Com
as riquezas do alto, fecunda, consolida, completa e restaura em Cristo, como que a
partir de dentro, as qualidades espirituais e os dotes de todos os povos e eras»
(266)
Resumindo:
2528. «Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério
com ela no seu coração» (Mt 5, 28).
2529. O nono mandamento acautela-nos contra a cupidez ou concupiscência carnal.
2530. A luta contra a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e
pela prática da temperança.
2531. A pureza de coração permitir-nos-á ver a Deus: desde já, permite-nos ver
tudo segundo Deus.
2532. A purificação do coração exige a oração, a prática da castidade, a pureza de
intenção e do olhar.
2533. A pureza do coração requer o pudor que é paciência, modéstia e discrição. O
pudor preserva a intimidade da pessoa.
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