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O ESPÍRITO SANTO, INTÉRPRETE DAS ESCRITURAS

109. Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem à maneira dos homens. Portanto,
para bem interpretar a Escritura, é necessário prestar atenção ao que os autores
humanos realmente quiseram dizer, e àquilo que aprouve a Deus manifestar-nos
pelas palavras deles (80).
110. Para descobrir a intenção dos autores sagrados, é preciso ter em conta as
condições do seu tempo e da sua cultura, os «géneros literários» em uso na
respectiva época, os modos de sentir, falar e narrar correntes naquele tempo.
«Porque a verdade é proposta e expressa de modos diversos, em textos históricos
de vária índole, ou proféticos, ou poéticos ou de outros géneros de expressão»(81).
111. Mas, uma vez que a Sagrada Escritura é inspirada, existe outro princípio de
interpretação recta, não menos importante que o anterior, e sem o qual a
Escritura seria letra morta: «A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com
o mesmo espírito com que foi escrita» (82).
O II Concílio do Vaticano indica três critérios para uma interpretação da Escritura
conforme ao Espírito que a inspirou (83):
112. 1. Prestar grande atenção «ao conteúdo e à unidade de toda a
Escritura». Com efeito, por muito diferentes que sejam os livros que a compõem, a
Escritura é una, em razão da unidade do desígnio de Deus, de que Jesus Cristo é o
centro e o coração, aberto desde a sua Páscoa (84).
«Por coração (85) de Cristo entende-se a Sagrada Escritura que nos dá a conhecer
o coração de Cristo. Este coração estava fechado antes da Paixão, porque a
Escritura estava cheia de obscuridades. Mas a Escritura ficou aberta depois da
Paixão e assim, aqueles que desde então a consideram com inteligência, discernem
o modo como as profecias devem ser interpretadas» (86).
113. 2. Ler a Escritura na «tradição viva de toda a Igreja». Segundo uma sentença
dos Padres, «Sacra Scriptura principalius est in corde Ecclesiae quam in
materialibus instrumentis scripta» – «A Sagrada Escritura está escrita no coração
da Igreja, mais do que em instrumentos materiais» (87). Com efeito, a Igreja
conserva na sua Tradição a memória viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo
que lhe dá a interpretação espiritual da Escritura («... secundum spiritualem
sensum quem Spiritus donat Ecclesiae» «segundo o sentido espiritual que o
Espírito Santo dá à Igreja») (88).
114. 3. Estar atento «à analogia da fé» (89). Por «analogia da fé» entendemos a
coesão das verdades da fé entre si e no projecto total da Revelação.
OS SENTIDOS DA ESCRITURA
115. Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura:
o sentido literal e o sentido espiritual, subdividindo-se este último em sentido
alegórico, moral e anagógico. A concordância profunda dos quatro sentidos
assegura a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja:
116. O sentido literal. É o expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela
exegese segundo as regras da recta interpretação. «Omnes sensus (sc. Sacrae
Scripturae) fundentur super litteralem» – «Todos os sentidos (da Sagrada
Escritura) se fundamentam no literal» (90).
117. O sentido espiritual. Graças à unidade do desígnio de Deus, não só o texto da
Escritura, mas também as realidades e acontecimentos de que fala, podem ser
sinais.
1. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos
acontecimentos, reconhecendo o seu significado em Cristo: por exemplo, a
travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo e, assim, do Baptismo
(91).
2. O sentido moral. Os acontecimentos referidos na Escritura podem conduzir-nos a
um comportamento justo. Foram escritos «para nossa instrução» (1 Cor 10, 11)
(92).
3. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos no seu
significado eterno, o qual nos conduz (em grego: «anagoge») em direcção à nossa
Pátria. Assim, a Igreja terrestre é sinal da Jerusalém celeste (93).
118. Um dístico medieval resume a significação dos quatro sentidos:
«Littera gesta docet, quid credas allegoria.
Moralis quid agas, quo tendas anagogia».
«A letra ensina-te os factos (passados), a alegoria o que deves crer,
a moral o que deves fazer, a anagogia para onde deves tender» (94).
119. «Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e
expor mais profundamente o sentido da Sagrada Escritura, para que, mercê deste
estudo, de algum modo preparatório, amadureça o juízo da Igreja. Com efeito,
tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último
da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a
Palavra de Deus» (95):
«Ego vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae Ecclesiae commoveret
auctoritas» – «Quanto a mim, não acreditaria no Evangelho se não me movesse a
isso a autoridade da Igreja católica» (96).

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