1803. «Tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o que é puro, amável e de
boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no
pensamento» (Fl 4, 8).
A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem. Permite à pessoa
não somente praticar actos bons, mas dar o melhor de si mesma. A pessoa
virtuosa tende para o bem com todas as suas forças sensíveis e espirituais; procura
o bem e opta por ele em actos concretos.
«O fim duma vida virtuosa consiste em tornar-se semelhante a Deus» (61).
I. As virtudes humanas
1804. As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições
habituais da inteligência e da vontade, que regulam os nossos actos, ordenam as
nossas paixões e guiam o nosso procedimento segundo a razão e a fé. Conferem
facilidade, domínio e alegria para se levar uma vida moralmente boa. Homem
virtuoso é aquele que livremente pratica o bem.
As virtudes morais são humanamente adquiridas. São os frutos e os germes de
actos moralmente bons e dispõem todas as potencialidades do ser humano para
comungar no amor divino.
DISTINÇÃO DAS VIRTUDES CARDEAIS
1805. Há quatro virtudes que desempenham um papel de charneira. Por isso, se
chamam «cardeais»; todas as outras se agrupam em torno delas. São: a prudência,
a justiça, a fortaleza e a temperança. «Se alguém ama a justiça, o fruto dos seus
trabalhos são as virtudes, porque ela ensina a temperança e a prudência, a justiça
e a fortaleza» (Sb 8, 7). Com estes ou outros nomes, estas virtudes são louvadas
em numerosas passagens da Sagrada Escritura.
1806. A prudência é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em
qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de
o atingir. «O homem prudente vigia os seus passos» (Pr 14, 15). «Sede ponderados
e comedidos, para poderdes orar»(1 Pe 4, 7). A prudência é a «recta norma da
acção», escreve São Tomás (62) seguindo Aristóteles. Não se confunde, nem com a
timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação. É chamada «auriga
virtutum – condutor das virtudes», porque guia as outras virtudes, indicando-lhes
a regra e a medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo da consciência.
O homem prudente decide e ordena a sua conduta segundo este juízo. Graças a
esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e
ultrapassamos as dúvidas sobre o bem a fazer e o mal a evitar.
1807. A justiça é a virtude moral que consiste na constante e firme vontade de dar
a Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se
«virtude da religião». Para com os homens, a justiça leva a respeitar os direitos de
cada qual e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove a
equidade em relação às pessoas e ao bem comum. O homem justo, tantas vezes
evocado nos livros santos, distingue-se pela rectidão habitual dos seus
pensamentos e da sua conduta para com o próximo. «Não cometerás injustiças nos
julgamentos. Não favorecerás o pobre, nem serás complacente para com os
poderosos. Julgarás o teu próximo com imparcialidade» (Lv 19, 15). «Senhores, dai
aos vossos escravos o que é justo e equitativo, considerando que também vós
tendes um Senhor no céu» (Cl 4, 1).
1808. A fortaleza é a virtude moral que, no meio das dificuldades, assegura a
firmeza e a constância na prossecução do bem. Torna firme a decisão de resistir às
tentações e de superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza dá
capacidade para vencer o medo, mesmo da morte, e enfrentar a provação e as
perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício da própria vida, na defesa
duma causa justa. «O Senhor é a minha fortaleza e a minha glória» (Sl 118, 14).
«No mundo haveis de sofrer tribulações: mas tende coragem! Eu venci o
mundo!» (Jo 16, 33).
1809. A temperança é a virtude moral que modera a atracção dos prazeres e
proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade
sobre os instintos e mantém os desejos nos limites da honestidade. A pessoa
temperante orienta para o bem os apetites sensíveis, guarda uma sã discrição e
não se deixa arrastar pelas paixões do coração (63). A temperança é muitas vezes
louvada no Antigo Testamento: «Não te deixes levar pelas tuas más inclinações e
refreia os teus apetites» (Sir 18, 30). No Novo Testamento, é chamada
«moderação», ou «sobriedade». Devemos «viver com moderação, justiça e
piedade no mundo presente» (Tt 2, 12).
«Viver bem é amar a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todo o
proceder [...], de tal modo que se lhe dedica um amor incorrupto e íntegro (pela
temperança), que mal algum poderá abalar (fortaleza), que a ninguém mais serve
(justiça), que cuida de discernir todas as coisas para não se deixar surpreender pela
astúcia e pela mentira (prudência)» (64).
AS VIRTUDES E A GRAÇA
1810. As virtudes humanas, adquiridas pela educação, por actos deliberados e por
uma sempre renovada perseverança no esforço, são purificadas e elevadas pela
graça divina. Com a ajuda de Deus, forjam o carácter e facilitam a prática do bem.
O homem virtuoso sente-se feliz ao praticá-las.
1811. Não é fácil, ao homem ferido pelo pecado, manter o equilíbrio moral. O dom
da salvação, que nos veio por Cristo, dá-nos a graça necessária para perseverar na
busca das virtudes. Cada qual deve pedir constantemente esta graça de luz e de
força, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo e seguir os seus
apelos a amar o bem e acautelar-se do mal.
II. As virtudes teologais
1812. As virtudes humanas radicam nas virtudes teologais, que adaptam as
faculdades do homem à participação na natureza divina (65). De facto, as virtudes
teologais referem-se directamente a Deus e dispõem os cristãos para viverem em
relação com a Santíssima Trindade. Têm Deus Uno e Trino por origem, motivo e
objecto.
1813. As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do
cristão, Informam e vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na
alma dos fiéis para os tornar capazes de proceder como filhos seus e assim
merecerem a vida eterna. São o penhor da presença e da acção do Espírito Santo
nas faculdades do ser humano. São três as virtudes teologais: fé, esperança e
caridade (66).
A FÉ
1814. A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que Ele nos
disse e revelou e que a santa Igreja nos propõe para acreditarmos, porque Ele é a
própria verdade. Pela fé, «o homem entrega-se total e livremente a Deus» (67). E
por isso, o crente procura conhecer e fazer a vontade de Deus. «O justo viverá
pela fé» (Rm 1, 17). A fé viva «actua pela caridade» (Gl 5, 6).
1815. O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela (68). Mas, «sem
obras, a fé está morta» (Tg 2, 26): privada da esperança e do amor, a fé não une
plenamente o fiel a Cristo, nem faz dele um membro vivo do seu corpo.
1816. O discípulo de Cristo, não somente deve guardar a fé e viver dela, como
ainda professá-la, dar firme testemunho dela e propagá-la: «Todos devem estar
dispostos a confessar Cristo diante dos homens e a segui-Lo no caminho da cruz, no
meio das perseguições que nunca faltam à Igreja» (69). O serviço e testemunho da
fé são requeridos para a salvação: «A todo aquele que me tiver reconhecido
diante dos homens, também Eu o reconhecerei diante do meu Pai que está nos
céus. Mas àquele que me tiver negado diante dos homens, também Eu o negarei
diante do meu Pai que está nos céus» (Mt 10, 32-33).
A ESPERANÇA
1817. A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a
vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de
Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito
Santo. «Conservemos firmemente a esperança que professamos, pois Aquele que
fez a promessa é fiel» (Heb 10, 23). «O Espírito Santo, que Ele derramou
abundantemente sobre nós, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador, para que,
justificados pela sua graça, nos tornássemos, em esperança, herdeiros da vida
eterna» (Tt 3, 6-7).
1818. A virtude da esperança corresponde ao desejo de felicidade que Deus
colocou no coração de todo o homem; assume as esperanças que inspiram as
actividades dos homens, purifica-as e ordena-as para o Reino dos céus; protege
contra o desânimo; sustenta no abatimento; dilata o coração na expectativa da
bem-aventurança eterna. O ânimo que a esperança dá preserva do egoísmo e
conduz à felicidade da caridade.
1819. A esperança cristã retorna e realiza a esperança do povo eleito, que tem a
sua origem e modelo na esperança de Abraão, o qual, em Isaac, foi cumulado das
promessas de Deus e purificado pela provação do sacrifício (70). «Contra toda a
esperança humana, Abraão teve esperança e acreditou. Por isso, tornou-se pai de
muitas nações» (Rm 4, 18).
1820. A esperança cristã manifesta-se, desde o princípio da pregação de Jesus, no
anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam a nossa esperança
para o céu, como nova tema prometida e traçam-lhe o caminho através das
provações que aguardam os discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos do mesmo
Jesus Cristo e da sua paixão, Deus guarda-nos na «esperança que não
engana» (Rm 5, 5). A esperança é «a âncora da alma, inabalável e segura» que
penetra [...]«onde entrou Jesus como nosso precursor» (Heb 6, 19-20). É também
uma arma que nos protege no combate da salvação: «Revistamo-nos com a
couraça da fé e da caridade, com o capacete da esperança da salvação» (1 Ts 5, 8).
Proporciona-nos alegria, mesmo no meio da provação: «alegres na esperança,
pacientes na tribulação» (Rm 12, 12). Exprime-se e nutre-se na oração,
particularmente na oração do Pai-Nosso, resumo de tudo o que a esperança nos faz
desejar.
1821. Podemos, portanto, esperar a glória do céu prometida por Deus àqueles que
O amam (71) e fazem a sua vontade (72). Em todas as circunstâncias, cada qual
deve esperar, com a graça de Deus, «permanecer firme até ao fim» (73) e alcançar
a alegria do céu, como eterna recompensa de Deus pelas boas obras realizadas
com a graça de Cristo. É na esperança que a Igreja pede que «todos os homens se
salvem» (1 Tm 2, 4) e ela própria aspira a ficar, na glória do céu, unida a Cristo,
seu Esposo:
«Espera, espera, que não sabes quando virá o dia nem a hora. Vela com cuidado,
que tudo passa com brevidade, embora o teu desejo faça o certo duvidoso e longo
o tempo breve. Olha que quanto mais pelejares, mais mostrarás o amor que tens a
teu Deus, e mais te regozijarás com teu Amado em gozo e deleite que não pode
ter fim» (74).
A CARIDADE
1822. A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as
coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823. Jesus faz da caridade o mandamento novo (75). Amando os seus «até ao
fim» (Jo 13, 1), manifesta o amor do Pai, que Ele próprio recebe. E os discípulos,
amando-se uns aos outros, imitam o amor de Jesus, amor que eles recebem
também em si. É por isso que Jesus diz: «Assim como o Pai Me amou, também Eu
vos amei. Permanecei no meu amor» (Jo 15, 9). E ainda: «É este o meu
mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo 15, 12).
1824. Fruto do Espírito e plenitude da Lei, a caridade guarda os mandamentos de
Deus e do seu Cristo: «Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus
mandamentos, permanecereis no meu amor» (Jo 15, 9-10) (76).
1825. Cristo morreu por amor de nós, sendo nós ainda «inimigos» (Rm 5, 10). O
Senhor pede-nos que, como Ele, amemos até os nossos inimigos (77), que nos
façamos o próximo do mais afastado (78), que amemos as crianças (79) e os pobres
como a Ele próprio (80).
O apóstolo São Paulo deixou-nos um incomparável quadro da caridade: «A
caridade é paciente, a caridade é benigna; não é invejosa, não é altiva nem
orgulhosa; não é inconveniente, não procura o próprio interesse, não se imita, não
guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a
verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1Cor 13, 4-7).
1826. Sem a caridade, diz ainda o Apóstolo, «nada sou». E tudo o que for
privilégio, serviço, ou mesmo virtude..., se não tiver caridade «de nada me
aproveita» (81). A caridade é superior a todas as virtudes. É a primeira das
virtudes teologais: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a
caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13).
1827. O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade. Esta é
o «vínculo da perfeição» (Cl 3, 14) e a forma das virtudes: articula-as e ordena-as
entre si; é a fonte e o termo da sua prática cristã. A caridade assegura e purifica a
nossa capacidade humana de amar e eleva-a à perfeição sobrenatural do amor
divino.
1828. A prática da vida moral animada pela caridade dá ao cristão a liberdade
espiritual dos filhos de Deus. O cristão já não está diante de Deus como um
escravo, com temor servil, nem como o mercenário à espera do salário, mas como
um filho que corresponde ao amor «d'Aquele que nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19):
«Nós, ou nos desviamos do mal por temor do castigo e estamos na atitude do
escravo, ou vivemos à espera da recompensa e parecemo-nos com os mercenários;
ou, finalmente, é pelo bem em si e por amor d'Aquele que manda, que
obedecemos [...], e então estamos na atitude própria dos filhos» (82).
1829 Os frutos da caridade são: a alegria, a paz e a misericórdia; exige a prática do
bem e a correcção fraterna; é benevolente; suscita a reciprocidade, é
desinteressada e liberal: é amizade e comunhão:
«A consumação de todas as nossas obras é o amor. É nele que está o fim: é para a
conquista dele que corremos; corremos para lá chegar e, uma vez chegados, é nele
que descansamos» (83).
III. Os dons e os frutos do Espírito Santo
1830. A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes
são disposições permanentes que tornam o homem dócil aos impulsos do Espírito
Santo.
1831. Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, entendimento, conselho,
fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. Pertencem em plenitude a Cristo, filho
de David (84). Completam e levam à perfeição as virtudes de quem os recebe.
Tornam os fiéis dóceis, na obediência pronta, às inspirações divinas.
«Que o vosso espírito de bondade me conduza pelo caminho recto» (Sl 143, 10).
«Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus [...]; se
somos filhos, também somos herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de
Cristo»(Rm 8, 14.17).
1832. Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós, como
primícias da glória eterna. A tradição da Igreja enumera doze: «caridade, alegria,
paz, paciência, bondade, longanimidade, benignidade, mansidão, fidelidade,
modéstia, continência, castidade» (Gl 5, 22-23 segundo a Vulgata).
Resumindo:
1833. A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem.
1834. As virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade,
que regulam os nossos actos, ordenam as nossas paixões e guiam o nosso
procedimento segundo a razão e a fé. Podem ser agrupadas à roda das quatro
virtudes cardiais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
1835. A prudência dispõe a razão prática para discernir, em todas as
circunstâncias, o verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o realizar.
1836. A justiça consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo
o que lhes é devido.
1837. A .fortaleza assegura, no meio das dificuldades, a firmeza e a constância na
prossecução do bem.
1838. A temperança modera a atracção dos prazeres sensíveis e proporciona
equilíbrio no uso dos bens criados.
1839. As virtudes morais desenvolvem-se pela educação, por actos deliberados e
pela perseverança no esforço. A graça divina purifica-as e eleva-as.
1840. As virtudes teologais dispõem os cristãos para viverem em relação com a
Santíssima Trindade. Têm, Deus por origem, motivo e objecto – Deus conhecido
pela fé, esperado e amado por Si mesmo.
1841. São três as virtudes teologais: fé, esperança e caridade (85). Informam e
vivificam todas as virtudes morais.
1842. Pela fé, cremos em Deus e em tudo quanto Ele nos revelou e a santa Igreja
nos propõe para acreditarmos.
1843. Pela esperança, desejamos e esperamos de Deus, com firme confiança, a vida
eterna e as graças para a merecer.
1844. Pela caridade, amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a
nós mesmos, por amor de Deus. A caridade é o «vínculo da perfeição» (Cl 3, 14) e a
forma de todas as virtudes.
1845. Os sete dons do Espírito Santo, concedidos aos cristãos, são: sabedoria,
entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus
boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no
pensamento» (Fl 4, 8).
A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem. Permite à pessoa
não somente praticar actos bons, mas dar o melhor de si mesma. A pessoa
virtuosa tende para o bem com todas as suas forças sensíveis e espirituais; procura
o bem e opta por ele em actos concretos.
«O fim duma vida virtuosa consiste em tornar-se semelhante a Deus» (61).
I. As virtudes humanas
1804. As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições
habituais da inteligência e da vontade, que regulam os nossos actos, ordenam as
nossas paixões e guiam o nosso procedimento segundo a razão e a fé. Conferem
facilidade, domínio e alegria para se levar uma vida moralmente boa. Homem
virtuoso é aquele que livremente pratica o bem.
As virtudes morais são humanamente adquiridas. São os frutos e os germes de
actos moralmente bons e dispõem todas as potencialidades do ser humano para
comungar no amor divino.
DISTINÇÃO DAS VIRTUDES CARDEAIS
1805. Há quatro virtudes que desempenham um papel de charneira. Por isso, se
chamam «cardeais»; todas as outras se agrupam em torno delas. São: a prudência,
a justiça, a fortaleza e a temperança. «Se alguém ama a justiça, o fruto dos seus
trabalhos são as virtudes, porque ela ensina a temperança e a prudência, a justiça
e a fortaleza» (Sb 8, 7). Com estes ou outros nomes, estas virtudes são louvadas
em numerosas passagens da Sagrada Escritura.
1806. A prudência é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em
qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de
o atingir. «O homem prudente vigia os seus passos» (Pr 14, 15). «Sede ponderados
e comedidos, para poderdes orar»(1 Pe 4, 7). A prudência é a «recta norma da
acção», escreve São Tomás (62) seguindo Aristóteles. Não se confunde, nem com a
timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação. É chamada «auriga
virtutum – condutor das virtudes», porque guia as outras virtudes, indicando-lhes
a regra e a medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo da consciência.
O homem prudente decide e ordena a sua conduta segundo este juízo. Graças a
esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e
ultrapassamos as dúvidas sobre o bem a fazer e o mal a evitar.
1807. A justiça é a virtude moral que consiste na constante e firme vontade de dar
a Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se
«virtude da religião». Para com os homens, a justiça leva a respeitar os direitos de
cada qual e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove a
equidade em relação às pessoas e ao bem comum. O homem justo, tantas vezes
evocado nos livros santos, distingue-se pela rectidão habitual dos seus
pensamentos e da sua conduta para com o próximo. «Não cometerás injustiças nos
julgamentos. Não favorecerás o pobre, nem serás complacente para com os
poderosos. Julgarás o teu próximo com imparcialidade» (Lv 19, 15). «Senhores, dai
aos vossos escravos o que é justo e equitativo, considerando que também vós
tendes um Senhor no céu» (Cl 4, 1).
1808. A fortaleza é a virtude moral que, no meio das dificuldades, assegura a
firmeza e a constância na prossecução do bem. Torna firme a decisão de resistir às
tentações e de superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza dá
capacidade para vencer o medo, mesmo da morte, e enfrentar a provação e as
perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício da própria vida, na defesa
duma causa justa. «O Senhor é a minha fortaleza e a minha glória» (Sl 118, 14).
«No mundo haveis de sofrer tribulações: mas tende coragem! Eu venci o
mundo!» (Jo 16, 33).
1809. A temperança é a virtude moral que modera a atracção dos prazeres e
proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade
sobre os instintos e mantém os desejos nos limites da honestidade. A pessoa
temperante orienta para o bem os apetites sensíveis, guarda uma sã discrição e
não se deixa arrastar pelas paixões do coração (63). A temperança é muitas vezes
louvada no Antigo Testamento: «Não te deixes levar pelas tuas más inclinações e
refreia os teus apetites» (Sir 18, 30). No Novo Testamento, é chamada
«moderação», ou «sobriedade». Devemos «viver com moderação, justiça e
piedade no mundo presente» (Tt 2, 12).
«Viver bem é amar a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todo o
proceder [...], de tal modo que se lhe dedica um amor incorrupto e íntegro (pela
temperança), que mal algum poderá abalar (fortaleza), que a ninguém mais serve
(justiça), que cuida de discernir todas as coisas para não se deixar surpreender pela
astúcia e pela mentira (prudência)» (64).
AS VIRTUDES E A GRAÇA
1810. As virtudes humanas, adquiridas pela educação, por actos deliberados e por
uma sempre renovada perseverança no esforço, são purificadas e elevadas pela
graça divina. Com a ajuda de Deus, forjam o carácter e facilitam a prática do bem.
O homem virtuoso sente-se feliz ao praticá-las.
1811. Não é fácil, ao homem ferido pelo pecado, manter o equilíbrio moral. O dom
da salvação, que nos veio por Cristo, dá-nos a graça necessária para perseverar na
busca das virtudes. Cada qual deve pedir constantemente esta graça de luz e de
força, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo e seguir os seus
apelos a amar o bem e acautelar-se do mal.
II. As virtudes teologais
1812. As virtudes humanas radicam nas virtudes teologais, que adaptam as
faculdades do homem à participação na natureza divina (65). De facto, as virtudes
teologais referem-se directamente a Deus e dispõem os cristãos para viverem em
relação com a Santíssima Trindade. Têm Deus Uno e Trino por origem, motivo e
objecto.
1813. As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do
cristão, Informam e vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na
alma dos fiéis para os tornar capazes de proceder como filhos seus e assim
merecerem a vida eterna. São o penhor da presença e da acção do Espírito Santo
nas faculdades do ser humano. São três as virtudes teologais: fé, esperança e
caridade (66).
A FÉ
1814. A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que Ele nos
disse e revelou e que a santa Igreja nos propõe para acreditarmos, porque Ele é a
própria verdade. Pela fé, «o homem entrega-se total e livremente a Deus» (67). E
por isso, o crente procura conhecer e fazer a vontade de Deus. «O justo viverá
pela fé» (Rm 1, 17). A fé viva «actua pela caridade» (Gl 5, 6).
1815. O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela (68). Mas, «sem
obras, a fé está morta» (Tg 2, 26): privada da esperança e do amor, a fé não une
plenamente o fiel a Cristo, nem faz dele um membro vivo do seu corpo.
1816. O discípulo de Cristo, não somente deve guardar a fé e viver dela, como
ainda professá-la, dar firme testemunho dela e propagá-la: «Todos devem estar
dispostos a confessar Cristo diante dos homens e a segui-Lo no caminho da cruz, no
meio das perseguições que nunca faltam à Igreja» (69). O serviço e testemunho da
fé são requeridos para a salvação: «A todo aquele que me tiver reconhecido
diante dos homens, também Eu o reconhecerei diante do meu Pai que está nos
céus. Mas àquele que me tiver negado diante dos homens, também Eu o negarei
diante do meu Pai que está nos céus» (Mt 10, 32-33).
A ESPERANÇA
1817. A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a
vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de
Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito
Santo. «Conservemos firmemente a esperança que professamos, pois Aquele que
fez a promessa é fiel» (Heb 10, 23). «O Espírito Santo, que Ele derramou
abundantemente sobre nós, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador, para que,
justificados pela sua graça, nos tornássemos, em esperança, herdeiros da vida
eterna» (Tt 3, 6-7).
1818. A virtude da esperança corresponde ao desejo de felicidade que Deus
colocou no coração de todo o homem; assume as esperanças que inspiram as
actividades dos homens, purifica-as e ordena-as para o Reino dos céus; protege
contra o desânimo; sustenta no abatimento; dilata o coração na expectativa da
bem-aventurança eterna. O ânimo que a esperança dá preserva do egoísmo e
conduz à felicidade da caridade.
1819. A esperança cristã retorna e realiza a esperança do povo eleito, que tem a
sua origem e modelo na esperança de Abraão, o qual, em Isaac, foi cumulado das
promessas de Deus e purificado pela provação do sacrifício (70). «Contra toda a
esperança humana, Abraão teve esperança e acreditou. Por isso, tornou-se pai de
muitas nações» (Rm 4, 18).
1820. A esperança cristã manifesta-se, desde o princípio da pregação de Jesus, no
anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam a nossa esperança
para o céu, como nova tema prometida e traçam-lhe o caminho através das
provações que aguardam os discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos do mesmo
Jesus Cristo e da sua paixão, Deus guarda-nos na «esperança que não
engana» (Rm 5, 5). A esperança é «a âncora da alma, inabalável e segura» que
penetra [...]«onde entrou Jesus como nosso precursor» (Heb 6, 19-20). É também
uma arma que nos protege no combate da salvação: «Revistamo-nos com a
couraça da fé e da caridade, com o capacete da esperança da salvação» (1 Ts 5, 8).
Proporciona-nos alegria, mesmo no meio da provação: «alegres na esperança,
pacientes na tribulação» (Rm 12, 12). Exprime-se e nutre-se na oração,
particularmente na oração do Pai-Nosso, resumo de tudo o que a esperança nos faz
desejar.
1821. Podemos, portanto, esperar a glória do céu prometida por Deus àqueles que
O amam (71) e fazem a sua vontade (72). Em todas as circunstâncias, cada qual
deve esperar, com a graça de Deus, «permanecer firme até ao fim» (73) e alcançar
a alegria do céu, como eterna recompensa de Deus pelas boas obras realizadas
com a graça de Cristo. É na esperança que a Igreja pede que «todos os homens se
salvem» (1 Tm 2, 4) e ela própria aspira a ficar, na glória do céu, unida a Cristo,
seu Esposo:
«Espera, espera, que não sabes quando virá o dia nem a hora. Vela com cuidado,
que tudo passa com brevidade, embora o teu desejo faça o certo duvidoso e longo
o tempo breve. Olha que quanto mais pelejares, mais mostrarás o amor que tens a
teu Deus, e mais te regozijarás com teu Amado em gozo e deleite que não pode
ter fim» (74).
A CARIDADE
1822. A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as
coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823. Jesus faz da caridade o mandamento novo (75). Amando os seus «até ao
fim» (Jo 13, 1), manifesta o amor do Pai, que Ele próprio recebe. E os discípulos,
amando-se uns aos outros, imitam o amor de Jesus, amor que eles recebem
também em si. É por isso que Jesus diz: «Assim como o Pai Me amou, também Eu
vos amei. Permanecei no meu amor» (Jo 15, 9). E ainda: «É este o meu
mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo 15, 12).
1824. Fruto do Espírito e plenitude da Lei, a caridade guarda os mandamentos de
Deus e do seu Cristo: «Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus
mandamentos, permanecereis no meu amor» (Jo 15, 9-10) (76).
1825. Cristo morreu por amor de nós, sendo nós ainda «inimigos» (Rm 5, 10). O
Senhor pede-nos que, como Ele, amemos até os nossos inimigos (77), que nos
façamos o próximo do mais afastado (78), que amemos as crianças (79) e os pobres
como a Ele próprio (80).
O apóstolo São Paulo deixou-nos um incomparável quadro da caridade: «A
caridade é paciente, a caridade é benigna; não é invejosa, não é altiva nem
orgulhosa; não é inconveniente, não procura o próprio interesse, não se imita, não
guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a
verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1Cor 13, 4-7).
1826. Sem a caridade, diz ainda o Apóstolo, «nada sou». E tudo o que for
privilégio, serviço, ou mesmo virtude..., se não tiver caridade «de nada me
aproveita» (81). A caridade é superior a todas as virtudes. É a primeira das
virtudes teologais: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a
caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13).
1827. O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade. Esta é
o «vínculo da perfeição» (Cl 3, 14) e a forma das virtudes: articula-as e ordena-as
entre si; é a fonte e o termo da sua prática cristã. A caridade assegura e purifica a
nossa capacidade humana de amar e eleva-a à perfeição sobrenatural do amor
divino.
1828. A prática da vida moral animada pela caridade dá ao cristão a liberdade
espiritual dos filhos de Deus. O cristão já não está diante de Deus como um
escravo, com temor servil, nem como o mercenário à espera do salário, mas como
um filho que corresponde ao amor «d'Aquele que nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19):
«Nós, ou nos desviamos do mal por temor do castigo e estamos na atitude do
escravo, ou vivemos à espera da recompensa e parecemo-nos com os mercenários;
ou, finalmente, é pelo bem em si e por amor d'Aquele que manda, que
obedecemos [...], e então estamos na atitude própria dos filhos» (82).
1829 Os frutos da caridade são: a alegria, a paz e a misericórdia; exige a prática do
bem e a correcção fraterna; é benevolente; suscita a reciprocidade, é
desinteressada e liberal: é amizade e comunhão:
«A consumação de todas as nossas obras é o amor. É nele que está o fim: é para a
conquista dele que corremos; corremos para lá chegar e, uma vez chegados, é nele
que descansamos» (83).
III. Os dons e os frutos do Espírito Santo
1830. A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes
são disposições permanentes que tornam o homem dócil aos impulsos do Espírito
Santo.
1831. Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, entendimento, conselho,
fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. Pertencem em plenitude a Cristo, filho
de David (84). Completam e levam à perfeição as virtudes de quem os recebe.
Tornam os fiéis dóceis, na obediência pronta, às inspirações divinas.
«Que o vosso espírito de bondade me conduza pelo caminho recto» (Sl 143, 10).
«Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus [...]; se
somos filhos, também somos herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de
Cristo»(Rm 8, 14.17).
1832. Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós, como
primícias da glória eterna. A tradição da Igreja enumera doze: «caridade, alegria,
paz, paciência, bondade, longanimidade, benignidade, mansidão, fidelidade,
modéstia, continência, castidade» (Gl 5, 22-23 segundo a Vulgata).
Resumindo:
1833. A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem.
1834. As virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade,
que regulam os nossos actos, ordenam as nossas paixões e guiam o nosso
procedimento segundo a razão e a fé. Podem ser agrupadas à roda das quatro
virtudes cardiais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
1835. A prudência dispõe a razão prática para discernir, em todas as
circunstâncias, o verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o realizar.
1836. A justiça consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo
o que lhes é devido.
1837. A .fortaleza assegura, no meio das dificuldades, a firmeza e a constância na
prossecução do bem.
1838. A temperança modera a atracção dos prazeres sensíveis e proporciona
equilíbrio no uso dos bens criados.
1839. As virtudes morais desenvolvem-se pela educação, por actos deliberados e
pela perseverança no esforço. A graça divina purifica-as e eleva-as.
1840. As virtudes teologais dispõem os cristãos para viverem em relação com a
Santíssima Trindade. Têm, Deus por origem, motivo e objecto – Deus conhecido
pela fé, esperado e amado por Si mesmo.
1841. São três as virtudes teologais: fé, esperança e caridade (85). Informam e
vivificam todas as virtudes morais.
1842. Pela fé, cremos em Deus e em tudo quanto Ele nos revelou e a santa Igreja
nos propõe para acreditarmos.
1843. Pela esperança, desejamos e esperamos de Deus, com firme confiança, a vida
eterna e as graças para a merecer.
1844. Pela caridade, amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a
nós mesmos, por amor de Deus. A caridade é o «vínculo da perfeição» (Cl 3, 14) e a
forma de todas as virtudes.
1845. Os sete dons do Espírito Santo, concedidos aos cristãos, são: sabedoria,
entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus
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