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O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO


1601. «O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si a
comunhão íntima de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos
cônjuges e à procriação e educação da prole, entre os baptizados foi elevado por
Cristo Senhor à dignidade de sacramento» (93) .

I. O matrimónio no desígnio de Deus

1602. A Sagrada Escritura começa pela criação do homem e da mulher, à imagem
e semelhança de Deus (94), e termina com a visão das «núpcias do Cordeiro» (Ap
19, 9) (95). Do princípio ao fim, a Escritura fala do matrimónio e do seu «mistério»,
da sua instituição e do sentido que Deus lhe deu, da sua origem e da sua
finalidade, das suas diversas realizações ao longo da história da salvação, das suas
dificuldades nascidas do pecado e da sua renovação «no Senhor» (1 Cor 7,39), na
Nova Aliança de Cristo e da Igreja (96).
O MATRIMÓNIO NA ORDEM DA CRIAÇÃO
1603. «A íntima comunidade da vida e do amor conjugal foi fundada pelo Criador e
dotada de leis próprias [...]. O próprio Deus é o autor do matrimónio» (97). A
vocação para o matrimónio está inscrita na própria natureza do homem e da
mulher, tais como saíram das mãos do Criador. O matrimónio não é uma
instituição puramente humana, apesar das numerosas variações a que esteve
sujeito no decorrer dos séculos, nas diferentes culturas, estruturas sociais e
atitudes espirituais. Tais diversidades não devem fazer esquecer os traços comuns
e permanentes. Muito embora a dignidade desta instituição nem sempre e nem
por toda a parte transpareça com a mesma clareza (98), existe, no entanto, em
todas as culturas, um certo sentido da grandeza da união matrimonial. Porque «a
saúde da pessoa e da sociedade está estreitamente ligada a uma situação feliz da
comunidade conjugal e familiar» (99).
1604. Deus, que criou o homem por amor, também o chamou ao amor, vocação
fundamental e inata de todo o ser humano. Porque o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus (100) que é amor (1 Jo 4, 8.16). Tendo-os Deus criado homem
e mulher, o amor mútuo dos dois torna-se imagem do amor absoluto e indefectível
com que Deus ama o homem. É bom, muito bom, aos olhos do Criador (101). E este
amor, que Deus abençoa, está destinado a ser fecundo e a realizar-se na obra
comum do cuidado da criação: «Deus abençoou-os e disse-lhes: "Sede fecundos e
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a"» (Gn 1, 28).
1605. Que o homem e a mulher tenham sido criados um para o outro, afirma-o a
Sagrada Escritura: «Não é bom que o homem esteja só» (Gn 2, 18). A mulher,
«carne da sua carne» (102),isto é, sua igual, a criatura mais parecida com ele, é-lhe
dada por Deus como uma ,auxiliar» (103), representando assim aquele «Deus que é
o nosso auxílio» (104). «Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se
unir à sua mulher: e os dois serão uma só carne» (Gn 2, 24). Que isto significa uma
unidade indefectível das duas vidas, o próprio Senhor o mostra, ao lembrar qual
foi, «no princípio», o desígnio do Criador (105): «Portanto, já não são dois, mas
uma só carne»(Mt 19, 6).
O MATRIMÓNIO SOB O REGIME DO PECADO
1606. Todo o homem faz a experiência do mal, à sua volta e em si mesmo. Esta
experiência faz-se também sentir nas relações entre o homem e a mulher. Desde
sempre, a união de ambos foi ameaçada pela discórdia, o espírito de domínio, a
infidelidade, o ciúme e conflitos capazes de ir até ao ódio e à ruptura. Esta
desordem pode manifestar-se de um modo mais ou menos agudo e ser mais ou
menos ultrapassada, conforme as culturas, as épocas, os indivíduos. Mas parece,
sem dúvida, ter um carácter universal.
1607. Segundo a fé, esta desordem, que dolorosamente comprovamos, não
procede da naturezado homem e da mulher, nem da natureza das suas relações,
mas do pecado. Ruptura com Deus, o primeiro pecado teve como primeira
consequência a ruptura da comunhão original do homem e da mulher. As suas
relações são distorcidas por acusações recíprocas (106); a atracção mútua, dom
próprio do Criador (107), converte-se em relação de domínio e de cupidez (108): a
esplêndida vocação do homem e da mulher para serem fecundos, multiplicarem-se
e submeterem a terra (109) fica sujeita às dores do parto e do ganha-pão (110).
1608. No entanto, a ordem da criação subsiste, apesar de gravemente perturbada.
Para curar as feridas do pecado, o homem e a mulher precisam da ajuda da graça
que Deus, na sua misericórdia infinita, nunca lhes recusou (111). Sem esta ajuda, o
homem e a mulher não podem chegar a realizar a união das suas vidas para a qual
Deus os criou «no princípio».
O MATRIMÓNIO SOB A PEDAGOGIA DA LEI
1609. Na sua misericórdia, Deus não abandonou o homem pecador. As penas que
se seguiram ao pecado, «as dores do parto» (112), o trabalho «com o suor do
rosto» (Gn 3, 19), constituem também remédios que reduzem os malefícios do
pecado. Depois da queda, o matrimónio ajuda a superar o auto-isolamento, o
egoísmo, a busca do próprio prazer, e a abrir-se ao outro, à mútua ajuda, ao dom
de si.
1610. A consciência moral relativamente à unidade e indissolubilidade do
matrimónio desenvolveu-se sob a pedagogia da antiga Lei. A poligamia dos
patriarcas e dos reis ainda não é explicitamente rejeitada. No entanto, a Lei dada
a Moisés visa proteger a mulher contra um domínio arbitrário por parte do
homem, ainda que a mesma Lei comporte também, segundo a palavra do Senhor,
vestígios da «dureza do coração» do homem, em razão da qual Moisés permitiu o
repúdio da mulher (113).
1611. Ao verem a Aliança de Deus com Israel sob a imagem dum amor conjugal,
exclusivo e fiel (114), os profetas prepararam a consciência do povo eleito para
uma inteligência aprofundada da unicidade e indissolubilidade do matrimónio
(115). Os livros de Rute e de Tobias dão testemunhos comoventes do elevado
sentido do matrimónio, da fidelidade e da ternura dos esposos. E a Tradição viu
sempre no Cântico dos Cânticos uma expressão única do amor humano, enquanto
reflexo do amor de Deus, amor «forte como a morte», que «nem as águas
caudalosas conseguem apagar» (Ct 8, 6-7).
O MATRIMÓNIO NO SENHOR
1612. A aliança nupcial entre Deus e o seu povo Israel tinha preparado a Aliança
nova e eterna, pela qual o Filho de Deus, encarnando e dando a sua vida, uniu a
Si, de certo modo, toda a humanidade por Ele salva (116), preparando assim as
«núpcias do Cordeiro» (117).
1613. No umbral da sua vida pública, Jesus realiza o seu primeiro sinal –a pedido
da sua Mãe – por ocasião duma festa de casamento (118). A Igreja atribui uma
grande importância à presença de Jesus nas bodas de Caná. Ela vê nesse facto a
confirmação da bondade do matrimónio e o anúncio de que, doravante, o
matrimónio seria um sinal eficaz da presença de Cristo.
1614. Na sua pregação, Jesus ensinou sem equívocos o sentido original da união do
homem e da mulher, tal como o Criador a quis no princípio: a permissão de
repudiar a sua mulher, dada por Moisés, era uma concessão à dureza do coração
(119): a união matrimonial do homem e da mulher é indissolúvel: foi o próprio
Deus que a estabeleceu: «Não separe, pois, o homem o que Deus uniu»(Mt 19, 6).
1615. Esta insistência inequívoca na indissolubilidade do vínculo matrimonial pôde
criar perplexidade e aparecer como uma exigência impraticável (120). No entanto,
Jesus não impôs aos esposos um fardo impossível de levar e pesado demais (121),
mais pesado que a Lei de Moisés. Tendo vindo restabelecer a ordem original da
criação, perturbada pelo pecado, Ele próprio dá a força e a graça de viver o
matrimónio na dimensão nova do Reino de Deus. É seguindo a Cristo, na renúncia
a si próprios e tornando a sua cruz (122), que os esposos poderão «compreender»
(123) o sentido original do matrimónio e vivê-lo com a ajuda de Cristo. Esta graça
do Matrimónio cristão é fruto da cruz de Cristo, fonte de toda a vida cristã.
1616. É o que o Apóstolo Paulo nos dá a entender, quando diz: «Maridos, amai as
vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela, a fim de a
santificar» (Ef 5, 25-26): e acrescenta imediatamente: «"Por isso o homem deixará
o pai e a mãe para se unir à sua mulher e serão os dois uma só carne". É grande
este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja» (Ef 5,31-32).
1617. Toda a vida cristã tem a marca do amor esponsal entre Cristo e a Igreja. Já
o Baptismo, entrada no povo de Deus, é um mistério nupcial: é, por assim dizer, o
banho de núpcias (124) que precede o banquete das bodas, a Eucaristia. O
Matrimónio cristão, por sua vez, torna-se sinal eficaz, sacramento da aliança de
Cristo com a Igreja. E uma vez que significa e comunica a graça desta aliança, o
Matrimónio entre baptizados é um verdadeiro sacramento da Nova Aliança (125).
A VIRGINDADE POR AMOR DO REINO
1618. Cristo é o centro de toda a vida cristã. A união com Ele prevalece sobre
todas as outras, quer se trate de laços familiares, quer sociais (126). Desde o
princípio da Igreja, houve homens e mulheres que renunciaram ao grande bem do
matrimónio, para seguirem o Cordeiro aonde quer que Ele vá (127), para cuidarem
das coisas do Senhor, para procurarem agradar-Lhe para saírem ao encontro do
Esposo que vem (128). O próprio Cristo convidou alguns a seguirem-n'O neste
modo de vida, de que Ele é o modelo:
«Há eunucos que nasceram assim do seio materno; há os que foram feitos eunucos
pelos homens; e há os que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos
céus. Quem puder entender, entenda!» (Mt 19, 12).
1619. A virgindade por amor do Reino dos céus é um desenvolvimento da graça
baptismal, um sinal poderoso da preeminência da união com Cristo e da espera
fervorosa do seu regresso, um sinal que lembra também que o matrimónio é uma
realidade do tempo presente, que é passageiro (130).
1620. Quer, o sacramento do Matrimónio, quer a virgindade por amor do Reino de
Deus, vêm do próprio Senhor. É Ele que lhes dá sentido e concede a graça
indispensável para serem vividos em conformidade com a sua vontade (131). A
estima pela virgindade por amor do Reino (132) e o sentido cristão do matrimónio
são inseparáveis e favorecem-se mutuamente:
«Denegrir o Matrimónio é, ao mesmo tempo, diminuir a glória da virgindade:
enaltecê-lo é realçar a admiração devida à virgindade [...] Porque, no fim de
contas, o que só em comparação com um mal parece bom, não pode ser um
verdadeiro bem: mas o que ainda é melhor do que bens incontestados, esse é que
é o bem por excelência» (133)

II. A celebração do Matrimónio

1621. No rito latino, a celebração do Matrimónio entre dois fiéis católicos tem
lugar normalmente no decorrer da santa Missa, em virtude da ligação de todos os
sacramentos com o mistério pascal de Cristo (134). Na Eucaristia realiza-se o
memorial da Nova Aliança, pela qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua
esposa bem-amada, por quem se entregou (135). Por isso, é conveniente que os
esposos selem o seu consentimento à doação recíproca pela oferenda das próprias
vidas, unindo-a à oblação de Cristo pela sua Igreja, tornada presente no sacrifício
eucarístico, e recebendo a Eucaristia, para que, comungando o mesmo corpo e o
mesmo sangue de Cristo, «formem um só corpo» em Cristo (136).
1622. «Enquanto acção sacramental de santificação, a celebração litúrgica do
Matrimónio [...] deve ser por si mesma válida, digna e frutuosa» (137). Por isso, é
conveniente que os futuros esposos se preparem para a celebração do seu
Matrimónio, recebendo o sacramento da Penitência.
1623. Segundo a tradição latina, são os esposos quem, como ministros da graça de
Cristo, mutuamente se conferem o sacramento do Matrimónio, ao exprimirem,
perante a Igreja, o seu consentimento. Nas tradições das Igrejas orientais, os
sacerdotes que oficiam – Bispos ou presbíteros – são testemunhas do mútuo
consentimento manifestado pelos esposos (138), mas a sua bênção também é
necessária para a validade do sacramento (139).
1624. As diversas liturgias são ricas em orações de bênção e de epiclese, pedindo a
Deus a sua graça e invocando a sua bênção sobre o novo casal, especialmente
sobre a esposa. Na epiclese deste sacramento, os esposos recebem o Espírito
Santo como comunhão do amor de Cristo e da Igreja (140). É Ele o selo da aliança
de ambos, a nascente sempre oferecida do seu amor, a força pela qual se renovará
a sua fidelidade.

III. O consentimento matrimonial

1625. Os protagonistas da aliança matrimonial são um homem e uma mulher
baptizados, livres para contrair Matrimónio e que livremente exprimem o seu
consentimento. «Ser livre» quer dizer:
– não ser constrangido;
– não estar impedido por nenhuma lei natural nem eclesiástica.
1626. A Igreja considera a permuta dos consentimentos entre os esposos como o
elemento indispensável «que constitui o Matrimónios (141). Se faltar o
consentimento, não há Matrimónio.
1627. O consentimento consiste num «acto humano pelo qual os esposos se dão e
se recebem mutuamente» (142): «Eu recebo-te por minha esposa. Eu recebo-te por
meu esposo» (143). Este consentimento, que une os esposos entre si, tem a sua
consumação no facto de os dois «se tornarem uma só carne» (144).
1628. O consentimento deve ser um acto da vontade de cada um dos contraentes,
livre de violência ou de grave temor externo (145). Nenhum poder humano pode
substituir-se a este consentimento (146). Faltando esta liberdade, o matrimónio é
inválido.
1629. Por este motivo (ou por outras razões, que tornem nulo ou não realizado o
casamento) (147), a Igreja pode, depois de examinada a situação pelo tribunal
eclesiástico competente, declarar «a nulidade do Matrimónio», ou seja, que o
Matrimónio nunca existiu. Em tal caso, os contraentes ficam livres para se
casarem, salvaguardadas as obrigações naturais resultantes da união anterior
(148).
1630. O sacerdote (ou o diácono), que assiste à celebração do Matrimónio, recebe
o consentimento dos esposos em nome da Igreja e dá a bênção da Igreja. A
presença do ministro da Igreja (bem como das testemunhas) exprime visivelmente
que o Matrimónio é uma realidade eclesial.
1631. É por esse motivo que, normalmente, a Igreja exige para os seus fiéis
a forma eclesiásticada celebração do Matrimónio (149). Muitas razões concorrem
para explicar esta determinação:
– o Matrimónio sacramental é um acto litúrgico. Portanto, é conveniente que seja
celebrado na liturgia pública da Igreja;
– o Matrimónio introduz num ordo eclesial, cria direitos e deveres na Igreja,
entre os esposos e para com os filhos;
– uma vez que o Matrimónio é um estado de vida na Igreja, é necessário que haja
a certeza a respeito dele (daí a obrigação de haver testemunhas);
– o carácter público do consentimento protege o «sim» uma vez dado e ajuda a
permanecer-lhe fiel.
1632. Para que o «sim» dos esposos seja um acto livre e responsável, e para que a
aliança matrimonial tenha bases humanas e cristãs sólidas e duradoiras, é de
primordial importância a preparação para o matrimónio:
O exemplo e o ensino dados pelos pais e pelas famílias continuam a ser o caminho
privilegiado desta preparação.
O papel dos pastores e da comunidade cristã, como «família de Deus», é
indispensável para a transmissão dos valores humanos e cristãos do Matrimónio e
da família (150), e isto tanto mais quanto é certo que, nos nossos dias, muitos
jovens conhecem a experiência de lares desfeitos, que já não garantem
suficientemente aquela iniciação:
«Os jovens devem ser conveniente e oportunamente instruídos, sobretudo no seio
da própria família, acerca da dignidade, missão e exercício do amor conjugal. Deste
modo, educados na estima pela castidade, poderão passar, chegada a idade
conveniente, de um noivado honesto para o matrimónio» (151).
CASAMENTOS MISTOS E DISPARIDADE DE CULTOS
1633. Em muitos países, a situação do matrimónio misto (entre um católico e um
baptizado não-católico) apresenta-sede modo bastante frequente. Tal situação
pede uma atenção particular dos cônjuges e dos pastores. O caso dos casamentos
com disparidade de culto (entre um católico e um não-baptizado) exige uma
atenção ainda maior.
1634. A diferença de confissão religiosa entre os cônjuges não constitui um
obstáculo insuperável para o Matrimónio, quando eles conseguem pôr em comum
o que cada um recebeu na sua comunidade e aprender um do outro o modo como
cada um vive a sua fidelidade a Cristo. Mas as dificuldades dos matrimónios mistos
nem por isso devem ser subestimadas. São devidas ao facto de a separação dos
cristãos ainda não ter sido superada. Os esposos arriscam-se a vir a ressentir-se do
drama da desunião dos cristãos no seio do próprio lar. A disparidade de culto pode
agravar ainda mais estas dificuldades. As divergências em relação à fé, o próprio
conceito do Matrimónio e ainda as diferentes mentalidades religiosas podem
constituir uma fonte de tensões no Matrimónio, principalmente por causa da
educação dos filhos. Pode então surgir uma tentação: a indiferença religiosa.
1635. Segundo o direito em vigor na Igreja latina, um Matrimónio misto precisa
da permissão expressa da autoridade eclesiástica (152) para a respectiva liceidade.
Em caso de disparidade de culto, é requerida uma dispensa expressa do
impedimento para a validade do Matrimónio (153). Tanto a permissão como a
dispensa supõem que as duas partes conhecem e não rejeitam os fins e
propriedades essenciais do Matrimónio: e também que a parte católica confirma
os seus compromissos, dados também a conhecer expressamente à parte não
católica, de conservar a sua fé e de assegurar o Baptismo e a educação dos filhos
na Igreja Católica (154).
1636. Em muitas regiões, graças ao diálogo ecuménico, as respectivas
comunidades cristãs puderam organizar uma pastoral comum para os casamentos
mistos. O seu papel consiste em ajudar os casais a viver a sua situação particular à
luz da fé. Ela deve também ajudá-los a superar as tensões entre as obrigações dos
cônjuges um para com o outro e para com as respectivas comunidades eclesiais.
Deve estimular o desenvolvimento do que lhes é comum na fé e o respeito pelo
que os divide.
1637. Nos casamentos com disparidade de culto, o cônjuge católico tem uma tarefa
particular a cumprir, «porque o marido não-crente é santificado pela sua mulher e
a mulher não-crente é santificada pelo marido crente» (1 Cor 7, 14). Será uma
grande alegria para o cônjuge cristão e para a Igreja, se esta «santificação» levar
à conversão livre do outro à fé cristã (155). O amor conjugal sincero, a prática
humilde e paciente das virtudes familiares e a oração perseverante, podem
preparar o cônjuge não-crente para receber a graça da conversão.

IV. Os efeitos do sacramento do Matrimónio

1638. « Do Matrimónio válido origina-se entre os cônjuges um vínculo de sua
natureza perpétuo e exclusivo: no matrimónio cristão, além disso, são os cônjuges
robustecidos e como que consagrados por um sacramento peculiar para os deveres
e dignidade do seu estado» (156).
O VÍNCULO MATRIMONIAL
1639. O consentimento, pelo qual os esposos mutuamente se dão e se recebem, é
selado pelo próprio Deus (157). Da sua aliança «nasce uma instituição, também à
face da sociedade, tornada firme e estável pela lei divina» (158). A aliança dos
esposos é integrada na aliança de Deus com os homens: «O autêntico amor
conjugal é assumido no amor divino» (159).
1640. O vínculo matrimonial é, portanto, estabelecido pelo próprio Deus, de
maneira que o matrimónio ratificado e consumado entre baptizados não pode
jamais ser dissolvido. Este vínculo, resultante do acto humano livre dos esposos e
da consumação do matrimónio, é, a partir de então, uma realidade irrevogável e
dá origem a uma aliança garantida pela fidelidade de Deus. A Igreja não tem
poder para se pronunciar contra esta disposição da sabedoria divina (160).
A GRAÇA DO SACRAMENTO DO MATRIMÓNIO
1641. Os esposos cristãos, «no seu estado de vida e na sua ordem, têm, no povo de
Deus, os seus dons próprios» (161). Esta graça própria do sacramento do
Matrimónio destina-se a aperfeiçoar o amor dos cônjuges e a fortalecer a sua
unidade indissolúvel. Por meio desta graça, «eles auxiliam-se mutuamente para
chegarem à santidade pela vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos»
(162).
1632. Cristo é a fonte desta graça. «Assim como outrora Deus veio ao encontro do
seu povo com unia aliança de amor e fidelidade, assim agora o Salvador dos
homens e Esposo da Igreja vem ao encontro dos esposos cristãos com o
sacramento do Matrimónio» (163). Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem
tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se
perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro (164), de serem
«submissos um ao outro no temor de Cristo» (Ef 5, 21) e de se amarem com um
amor sobrenatural, delicado e fecundo. Nas alegrias do seu amor e da sua vida
familiar, Ele dá-lhes, já neste mundo, um antegosto do festim das núpcias do
Cordeiro:
«Onde irei buscar forças para descrever, de modo satisfatório, a felicidade do
Matrimónio que a Igreja une, que a oblação eucarística confirma e a bênção sela?
Os anjos proclamam-no, o Pai celeste ratifica-o [...] Que jugo o de dois cristãos,
unidos por uma só esperança, um único desejo, uma única disciplina, um mesmo
serviço! Ambos filhos do mesmo Pai, servos do mesmo Senhor; nada os separa,
nem no espírito nem na carne; pelo contrário, eles são verdadeiramente dois
numa só carne. Ora, onde a carne á só uma, também um só é o espírito» (165).

V. Os bens e as exigências do amor conjugal

1643. «O amor conjugal comporta um todo em que entram todas as componentes
da pessoa – apelo do corpo e do instinto, força do sentimento e da afectividade,
aspiração do espírito e da vontade –; visa uma unidade profundamente pessoal –
aquela que, para além da união numa só carne, conduz à formação dum só coração
e duma só alma –; exige a indissolubilidade e afidelidade na doação recíproca
definitiva; e abre-se à fecundidade. Trata-se, é claro, das características normais
de todo o amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as
purifica e consolida, mas as eleva ao ponto de fazer delas a expressão de valores
especificamente cristãos» (166).
A UNIDADE E A INDISSOLUBILIDADE DO MATRIMÓNIO
1644. Pela sua própria natureza, o amor dos esposos exige a unidade e a
indissolubilidade da sua comunidade de pessoas, a qual engloba toda a sua vida:
«assim, já não são dois, mas uma só carne» (Mt 19, 6) (167). «Eles são chamados a
crescer sem cessar na sua comunhão, através da fidelidade quotidiana à promessa
da mútua doação total que o Matrimónio implica» (168). Esta comunhão humana é
confirmada, purificada e aperfeiçoada pela comunhão em Jesus Cristo, conferida
pelo sacramento do Matrimónio; e aprofunda-se pela vida da fé comum e pela
Eucaristia recebida em comum.
1645. «A igual dignidade pessoal, que se deve reconhecer à mulher e ao homem
no amor pleno que têm um pelo outro, manifesta claramente a unidade do
Matrimónio, confirmada pelo Senhor» (169). A poligamia é contrária a esta igual
dignidade e ao amor conjugal, que é único e exclusivo (170).
A FIDELIDADE DO AMOR CONJUGAL
1646. Pela sua própria natureza, o amor conjugal exige dos esposos uma fidelidade
inviolável. Esta é uma consequência da doação de si mesmos que os esposos fazem
um ao outro. O amor quer ser definitivo. Não pode ser «até nova ordem». «Esta
união íntima, enquanto doação recíproca de duas pessoas, tal como o bem dos
filhos, exigem a inteira fidelidade dos cônjuges e reclamam a sua união
indissolúvel» (171).
1647. O motivo mais profundo encontra-se na fidelidade de Deus à sua aliança, de
Cristo à sua Igreja. Pelo sacramento do Matrimónio, os esposos ficam habilitados a
representar esta fidelidade e a dar testemunho dela. Pelo sacramento, a
indissolubilidade do Matrimónio adquire um sentido novo e mais profundo.
1648. Pode parecer difícil, e até impossível, ligar-se por toda a vida a um ser
humano. Por isso mesmo, é da maior importância anunciar a boa-nova de que Deus
nos ama com um amor definitivo e irrevogável, de que os esposos participam
neste amor que os conduz e sustém e de que, pela sua fidelidade, podem ser
testemunhas do amor fiel de Deus. Os esposos que, com a graça de Deus, dão este
testemunho, muitas vezes em condições bem difíceis, merecem a gratidão e o
amparo da comunidade eclesial (172).
1649. No entanto, há situações em que a coabitação matrimonial se torna
praticamente impossível pelas mais diversas razões. Em tais casos, a Igreja
admite a separação física dos esposos e o fim da coabitação. Mas os esposos não
deixam de ser marido e mulher perante Deus: não são livres de contrair nova
união. Nesta situação difícil, a melhor solução seria, se possível, a reconciliação. A
comunidade cristã é chamada a ajudar estas pessoas a viverem cristãmente a sua
situação, na fidelidade ao vínculo do seu Matrimónio, que continua indissolúvel
(173).
1650. Hoje em dia e em muitos países, são numerosos os católicos que recorrem
ao divórcio, em conformidade com as leis civis, e que contraem civilmente uma
nova união. A Igreja mantém, por fidelidade à palavra de Jesus Cristo («quem
repudia a sua mulher e casa com outra comete adultério em relação à primeira; e
se uma mulher repudia o seu marido e casa com outro, comete adultério»: Mc 10,
11-12), que não pode reconhecer como válida uma nova união, se o primeiro
Matrimónio foi válido. Se os divorciados se casam civilmente, ficam numa situação
objectivamente contrária à lei de Deus. Por isso, não podem aproximar-se da
comunhão eucarística, enquanto persistir tal situação. Pelo mesmo motivo, ficam
impedidos de exercer certas responsabilidades eclesiais. A reconciliação, por meio
do sacramento da Penitência, só pode ser dada àqueles que se arrependerem de
ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo e se comprometerem a viver
em continência completa.
1651. Com respeito a cristãos que vivem nesta situação e que muitas vezes
conservam a fé e desejam educar cristãmente os seus filhos, os sacerdotes e toda a
comunidade devem dar provas duma solicitude atenta, para que eles não se
sintam separados da Igreja, em cuja vida podem e devem participar como
baptizados que são:
«Serão convidados a ouvir a Palavra de Deus, a assistir ao sacrifício da Missa, a
perseverar na oração, a prestar o seu contributo às obras de caridade e às
iniciativas da comunidade em prol da justiça, a educar os seus filhos na fé cristã, a
cultivar o espírito de penitência e a cumprir os actos respectivos, a fim de
implorarem, dia após dia, a graça de Deus» (174).
A ABERTURA À FECUNDIDADE
1652. «Pela sua própria natureza, a instituição matrimonial e o amor conjugal
estão ordenados à procriação e à educação dos filhos, que constituem o ponto alto
da sua missão e a sua coroa»
«Os filhos são, sem dúvida, o mais excelente dom do Matrimónio e contribuem
muitíssimo para o bem dos próprios pais. O mesmo Deus que disse: "não é bom que
o homem esteja só" (Gn 2, 18) e que "desde o princípio fez o homem varão e
mulher" (Mt 19, 4), querendo comunicar-lhe uma participação especial na sua obra
criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: "Sede fecundos e multiplicai-vos"
(Gn 1, 28). Por isso, o culto autêntico do amor conjugal e toda a vida familiar que
dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do Matrimónio, tendem a que os
esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do
Criador e do Salvador, que, por meio deles, aumenta continuamente e enriquece a
sua família» (176).
1653 A fecundidade do amor conjugal estende-se aos frutos da vida moral,
espiritual e sobrenatural que os pais transmitem aos filhos pela educação. Os pais
são os principais e primeiros educadores dos seus filhos(177). Neste sentido, a
missão fundamental do Matrimónio e da família é estar ao serviço da vida (178).
1654. Os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem, no
entanto, ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando. O
seu Matrimónio irradiar uma fecundidade de caridade, de acolhimento e de
sacrifício.

VI. A Igreja doméstica

1655. Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e de Maria.
A Igreja outra coisa não é senão a «família de Deus». Desde as suas origens, o
núcleo aglutinante da Igreja era, muitas vezes, constituído por aqueles que, «com
toda a sua casa», se tinham tornado crentes» (179). Quando se convertiam,
desejavam que também «toda a sua casa» fosse salva (180). Estas famílias, que
passaram a ser crentes, eram pequenas ilhas de vida cristã no meio dum mundo
descrente.
1656. Nos nossos dias, num mundo muitas vezes estranho e até hostil à fé, as
famílias crentes são de primordial importância, como focos de fé viva e irradiante.
É por isso que o II Concílio do Vaticano chama à família, segundo uma antiga
expressão, «Ecclesia domestica – Igreja doméstica» (181). É no seio da família que
os pais são, «pela palavra e pelo exemplo [...], os primeiros arautos da fé para os
seus filhos, ao serviço da vocação própria de cada um e muito especialmente da
vocação consagrada» (182).
1657. É aqui que se exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio baptismal do pai de
família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, «na recepção dos
sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida,
na abnegação e na caridade efectiva» (183). O lar é, assim, a primeira escola de
vida cristã e «uma escola de enriquecimento humano» (184). É aqui que se
aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso
e sempre renovado, e, sobretudo, o culto divino, pela oração e pelo oferecimento
da própria vida.
1658. Não podem esquecer-se, também, certas pessoas que estão, em virtude das
condições concretas em que têm de viver, muitas vezes sem assim o terem
querido, particularmente próximas do coração de Cristo, e que merecem, portanto,
a estima e a solicitude atenta da Igreja, particularmente dos pastores: o grande
número de pessoas celibatárias. Muitas delas ficam sem família
humana, frequentemente devido a condições de pobreza. Algumas vivem a sua
situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo
exemplar. Mas a todas é necessário abrir as portas dos lares, «igrejas
domésticas», e da grande família que é a Igreja. «Ninguém se sinta privado de
família neste mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para
quantos estão "cansados e oprimidos" (Mt 11, 28)» (185).

Resumindo:
1659. São Paulo diz: «Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a
Igreja [...] É grande este mistério, que eu refiro a Cristo e à Igreja» (Ef 5, 25.32).
1660. A aliança matrimonial, pela qual um homem e uma mulher constituem entre
si uma comunidade íntima de vida e de amor; foi fundada e dotada das suas leis
próprias pelo Criador: Pela sua natureza, ordena-se ao bem dos cônjuges, bem
como à procriação e educação dos filhos. Entre os baptizados ,foi elevada por
Cristo Senhor à dignidade de sacramento (186).
1661. O sacramento do Matrimónio significa a união de Cristo com a Igreja.
Confere aos esposos a graça de se amarem com o amor com que Cristo amou a sua
Igreja; a graça do sacramento aperfeiçoa assim o amor humano dos esposos, dá
firmeza à sua unidade indissolúvel e santifica-os no caminho da vida eterna (187).
1662. O Matrimónio assenta no consentimento dos contraentes, quer dizer; na
vontade de se darem mútua e definitivamente, com o fim de viverem uma aliança
de amor fiel e fecundo.
1663. Uma vez que o Matrimónio estabelece os cônjuges num estado público de
vida na Igreja, é conveniente que a sua celebração seja pública, integrada numa
celebração litúrgica, perante o sacerdote (ou testemunha qualificada da Igreja), as
testemunhas e a assembleia dos fiéis.
1664. A unidade, a indissolubilidade e a abertura à fecundidade são essenciais ao
Matrimónio. A poligamia é incompatível com a unidade do Matrimónio; o divórcio
separa o que Deus uniu; a recusa da fecundidade desvia a vida conjugal do seu
«dom mais excelente», o filho (188).
1665. O novo casamento dos divorciados, em vida do cônjuge legítimo, é contrário
ao desígnio e à Lei de Deus ensinados por Cristo. Eles não ficam separados da
Igreja, mas não têm acesso à comunhão eucarística. Viverão a sua vida cristã
sobretudo educando os filhos na fé.
1666. O lar cristão é o lugar onde os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. É por
isso que a casa de família se chama, com razão, «Igreja doméstica», comunidade de
graça e de oração, escola de virtudes humanas e de caridade cristã.

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