AMARÁS O SENHOR TEU DEUS COM TODO O TEU
CORAÇÃO, COM TODA A TUA ALMA E COM TODAS AS TUAS FORÇAS»
2083. Jesus resumiu os deveres do homem para com Deus nestas palavras:
«Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com
toda a tua mente» (Mt 22, 37) (1). Elas são um eco imediato do apelo solene:
«Escuta, Israel: o Senhor nosso Deus é o único» (Dt 6, 4).
Deus foi o primeiro a amar. O amor do Deus único é lembrado na primeira das
«dez palavras». Em seguida, os mandamentos explicitam a resposta de amor que o
homem é chamado a dar ao seu Deus.
O PRIMEIRO MANDAMENTO
«Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egipto, dessa casa da
escravidão. Não terás outros deuses perante Mim. Não farás de ti nenhuma
imagem esculpida, nem figura que existe lá no alto do céu ou cá em baixo, na
terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas nem lhes
prestarás culto (Ex 20, 2-5) (2).
«Está escrito: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto"» (Mt 4,
10).
I. «Ao Senhor teu Deus adorarás, a Ele servirás»
2084. Deus dá-Se a conhecer lembrando a sua acção omnipotente, benevolente e
libertadora, na história daquele a quem se dirige: «Sou Eu [...] que te tirei da terra
do Egipto, dessa casa da escravidão» (Dt 5, 6). A primeira palavra encerra o
primeiro mandamento da Lei: «Ao Senhor, teu Deus, adorarás, a Ele servirás [...].
Não ireis atrás de outras divindades» (Dt 6, 13-14). O primeiro apelo e a justa
exigência de Deus é que o homem O acolha e O adore.
2085. O Deus único e verdadeiro revela, antes de mais, a sua glória a Israel (3). A
revelação da vocação e da verdade do homem está ligada à revelação de Deus. O
homem tem a vocação de manifestar Deus pelo seu agir, em conformidade com a
sua criação, «à imagem e semelhança de Deus» (Gn 1, 26).
«Não haverá jamais outro Deus, ó Trifão, e nunca houve outro, desde os séculos
[...], senão Aquele que fez e ordenou o Universo. Não pensamos que o nosso Deus
seja diferente do vosso. É o mesmo que fez sair os vossos pais do Egipto, pela sua
mão poderosa e braço levantado. Nós não pomos as nossas esperanças em
qualquer outro, que não há, mas no mesmo que vós, o Deus de Abraão, Isaac e
Jacob» (4).
2086. «O primeiro dos preceitos abrange a fé, a esperança e a caridade. De facto,
quem diz Deus diz um ser constante, imutável, sempre o mesmo, fiel,
perfeitamente justo. Daí se segue que devemos necessariamente aceitar as suas
palavras e ter n'Ele uma fé e confiança plenas. É todo-poderoso, clemente,
infinitamente propenso a bem-fazer. Quem poderia não pôr n'Ele todas as suas
esperanças? E quem seria capaz de não O amar, ao ver os tesouros de bondade e
ternura que derramou sobre nós? Daí a fórmula que Deus emprega na Sagrada
Escritura, quer no princípio, quer no fim dos seus preceitos: Eu sou o Senhor» (5).
A FÉ
2087. A nossa vida moral tem a sua fonte na fé em Deus, que nos revela o seu
amor. São Paulo fala da «obediência da fé» (6) como a primeira obrigação. E faz
ver, no «desconhecimento de Deus», o princípio e a explicação de todos os desvios
morais (7). O nosso dever para com Deus é crer n'Ele e dar testemunho d'Ele.
2088. O primeiro mandamento ordena-nos que alimentemos e guardemos com
prudência e vigilância a nossa fé, rejeitando tudo quanto a ela se opõe. Pode-se
pecar contra a fé de vários modos:
A dúvida voluntária em relação à fé negligencia ou recusa ter por verdadeiro o
que Deus revelou e a Igreja nos propõe para crer. A dúvida involuntária é a
hesitação em crer, a dificuldade em superar as objecções relacionadas com a fé, ou
ainda a angústia suscitada pela sua obscuridade. Quando deliberadamente
cultivada, a dúvida pode levar à cegueira do espírito.
2089. A incredulidade é o desprezo da verdade revelada ou a recusa voluntária de
lhe prestar assentimento. A «heresia é a negação pertinaz, depois de recebido o
Baptismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou ainda a
dúvida pertinaz acerca da mesma; apostasia é o repúdio total da fé cristã; cisma é
a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja
que lhe estão sujeitos» (8).
A ESPERANÇA
2090. Quando Deus Se revela e chama o homem, este não pode responder
plenamente ao amor divino pelas suas próprias forças. Deve esperar que Deus lhe
dará a capacidade de, por sua vez, O amar e de agir de acordo com os
mandamentos da caridade. A esperança é a expectativa confiante da bênção
divina e da visão beatífica de Deus: é também o receio de ofender o amor de Deus
e de provocar o castigo.
2091. O primeiro mandamento visa igualmente os pecados contra a esperança,
que são o desespero e a presunção:
Pelo desespero, o homem deixa de esperar de Deus a sua salvação pessoal, os
socorros para a atingir, ou o perdão dos seus pecados. Opõe-se à bondade de Deus,
à sua justiça (porque o Senhor é fiel às suas promessas) e à sua misericórdia.
2092. Há duas espécies de presunção: o homem ou presume das suas capacidades
(esperando poder salvar-se sem a ajuda do Alto), ou presume da omnipotência ou
misericórdia divinas (esperando obter o perdão sem se converter, e a glória sem a
merecer).
A CARIDADE
2093. A fé no amor de Deus implica o apelo e a obrigação de corresponder à
caridade divina com um amor sincero. O primeiro mandamento manda-nos amar a
Deus sobre todas as coisas (9) e a todas as criaturas por Ele e por causa d'Ele.
2094. Pode-se pecar contra o amor de Deus de diversas maneiras:
a indiferença descuida ou recusa a consideração da caridade divina; desconhece-lhe
o cuidado preveniente e nega-lhe a força. A ingratidão não reconhece, por desleixo
ou recusa formal, a caridade divina, não retribuindo amor com amor. A
tibieza, que é hesitação ou negligência em corresponder ao amor divino, pode
implicar a recusa de se entregar ao movimento da caridade. A acédia ou preguiça
espiritual chega a recusar a alegria que vem de Deus e a aborrecer o bem
divino. O ódio a Deusnasce do orgulho: opõe-se ao amor de Deus, cuja bondade
nega, e ousa amaldiçoá-lo como Aquele que proíbe o pecado e lhe inflige o castigo.
II. «Só a Ele prestarás culto»
2095. As virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade informam e vivificam
as virtudes morais. Assim, a caridade leva-nos a prestar a Deus o que com toda a
justiça Lhe devemos, enquanto criaturas. A virtude da religião dispõe-nos para tal
atitude.
A ADORAÇÃO
2096. A adoração é o primeiro acto da virtude da religião. Adorar a Deus é
reconhecê-Lo como tal, Criador e Salvador, Senhor e Dono de tudo quanto existe,
Amor infinito e misericordioso. «Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás
culto» (Lc 4, 8) – diz Jesus, citando o Deuteronómio(Dt 6, 13).
2097. Adorar a Deus é reconhecer, com respeito e submissão absoluta, o «nada da
criatura», que só por Deus existe. Adorar a Deus é, como Maria
no Magnificat, louvá-Lo, exaltá-Lo e humilhar-se, confessando com gratidão que Ele
fez grandes coisas e que o seu Nome é santo (10). A adoração do Deus único liberta
o homem de se fechar sobre si próprio, da escravidão do pecado e da idolatria do
mundo.
A ORAÇÃO
2098. Os actos de fé, de esperança e de caridade, exigidos pelo primeiro
mandamento, fazem-se na oração. A elevação do espírito para Deus é uma
expressão da nossa adoração ao mesmo Deus: oração de louvor e de acção de
graças, de intercessão e de súplica. A oração é condição indispensável para se
poder obedecer aos mandamentos de Deus. «E preciso orar sempre, sem
desfalecer» (Lc 18, 1).
O SACRIFÍCIO
2099. É justo que se ofereçam a Deus sacrifícios, em sinal de adoração e de
reconhecimento, de súplica e de comunhão: «Verdadeiro sacrifício é todo o acto
realizado para se unir a Deus em santa comunhão e poder ser feliz» (11).
2100. Para ser autêntico, o sacrifício exterior deve ser expressão do sacrifício
espiritual: «O meu sacrifício é um espírito arrependido...» (Sl 51, 19). Os profetas
da Antiga Aliança denunciaram muitas vezes os sacrifícios feitos sem participação
interior (12) ou sem ligação com o amor do próximo (13). Jesus recorda a palavra
do profeta Oseias: «Eu quero misericórdia e não sacrifício» (Mt 9, 13; 12, 7) (14). O
único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na cruz, em total oblação ao amor
do Pai e para nossa salvação (15). Unindo-nos ao seu sacrifício, podemos fazer da
nossa vida um sacrifício a Deus.
PROMESSAS E VOTOS
2101. Em muitas circunstâncias, o cristão chamado a fazer promessas a Deus. O
Baptismo e a Confirmação, o Matrimónio e a Ordenação comportam sempre
promessas. Por devoção pessoal, o cristão pode também prometer a Deus tal ou
tal acto, uma oração, uma esmola, uma peregrinação, etc. A fidelidade às
promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade
divina e do amor para com o Deus fiel.
2102. «O voto, isto é, a promessa deliberada e livre feita a Deus de um bem
possível e melhor, deve cumprir-se por virtude da religião» (16). O voto é um acto
de devoção, no qual o cristão se oferece a si próprio a Deus ou Lhe promete uma
obra boa. Portanto, pelo cumprimento dos seus votos, ele dá a Deus o que Lhe foi
prometido e consagrado. Os Actos dos Apóstolos mostram-nos São Paulo cuidadoso
em cumprir os votos que fez (17).
2103. A Igreja reconhece um valor exemplar aos votos de praticar os conselhos
evangélicos(18):
«A mãe Igreja alegra-se por encontrar no seu seio muitos homens e mulheres que
seguem mais de perto o abaixamento do Salvador e mais claramente o
manifestam, abraçando a pobreza na liberdade dos filhos de Deus e renunciando à
própria vontade: em matéria de perfeição, sujeitam-se ao homem, por amor de
Deus, para além do que é obrigação, a fim de mais plenamente se conformarem a
Cristo obediente» (19).
Em certos casos, a Igreja pode, por razões proporcionadas, dispensar dos votos e
das promessas (20).
O DEVER SOCIAL DE RELIGIÃO E O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
2104. «Todos os homens têm o dever de buscar a verdade, sobretudo no que diz
respeito a Deus e à sua Igreja; e de uma vez conhecida, a abraçar e guardar» Este
dever funda-se na «própria natureza dos homens» (22). Não está em oposição ao
«respeito sincero» pelas diversas religiões, que «muitas vezes reflectem um raio
da verdade que ilumina todos os homens» (23), nem à exigência da caridade que
impele os cristãos «a agir com amor, prudência e paciência para com os homens
que se encontram no erro ou na ignorância da fé» (24).
2105. O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem
individual e socialmente. Esta é «a doutrina católica tradicional sobre o dever
moral que os homens e as sociedades têm para com a verdadeira religião e a única
Igreja de Cristo» (25). Ao evangelizar incessantemente os homens, a Igreja
trabalha para que eles possam «impregnar de espírito cristão as mentalidades e
os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem» (26). É dever
social dos cristãos respeitar e despertar em cada homem o amor da verdade e do
bem. Esse dever exige que tornem conhecido o culto da única verdadeira religião
que subsiste na Igreja católica e apostólica (27). Os cristãos são chamados a ser a
luz do mundo (28). A Igreja manifesta assim a realeza de Cristo sobre toda a
criação, e em particular sobre as sociedades humanas (29).
2106. «Que em matéria religiosa ninguém seja forçado a agir contra a própria
consciência, nem impedido de proceder dentro dos justos limites segundo a
mesma, em privado e em público, só ou associado com outros» (30). Este direito
funda-se na própria natureza da pessoa humana, cuja dignidade a leva a aderir
livremente à verdade divina, que transcende a ordem temporal: e por isso,
«permanece mesmo naqueles que não satisfazem a obrigação de buscar e aderir à
verdade» (31).
2107. «Se, em razão das circunstâncias particulares dos diferentes povos, se
atribui a determinado grupo religioso um reconhecimento civil especial na ordem
jurídica, é necessário que, ao mesmo tempo, se reconheça e assegure a todos os
cidadãos e comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa» (32).
2108. O direito à liberdade religiosa não é nem a permissão moral de aderir ao
erro (33), nem um suposto direito ao erro (34), mas um direito natural da pessoa
humana à liberdade civil, isto é, à imunidade do constrangimento exterior, dentro
dos justos limites, em matéria religiosa, por parte do poder político. Este direito
natural deve ser reconhecido na ordem jurídica da sociedade, de tal maneira que
constitua um direito civil (35).
2109. O direito à liberdade religiosa não pode, de per si, ser ilimitado (36) nem
limitado somente por uma «ordem pública» concebida de maneira positivista ou
naturalista (37). Os «justos limites» que lhe são próprios devem ser determinados
para cada situação social pela prudência política, segundo as exigências do bem
comum, e ratificadas pela autoridade civil, segundo «regras jurídicas conformes à
ordem moral objectiva» (38).
III. «Não terás outros deuses perante Mim»
2110. O primeiro mandamento proíbe honrar outros deuses, além do único Senhor
que Se revelou ao seu povo: e proíbe a superstição e a irreligião. A superstição
representa, de certo modo, um excesso perverso de religião; a irreligião é um vício
oposto por defeito à virtude da religião.
A SUPERSTIÇÃO
2111. A superstição é um desvio do sentimento religioso e das práticas que ele
impõe. Também pode afectar o culto que prestamos ao verdadeiro Deus: por
exemplo, quando atribuímos uma importância de algum modo mágica a certas
práticas, aliás legítimas ou necessárias. Atribuir só à materialidade das orações ou
aos sinais sacramentais a respectiva eficácia, independentemente das disposições
interiores que exigem, é cair na superstição (39).
A IDOLATRIA
2112. O primeiro mandamento condena o politeísmo. Exige do homem que não
acredite em outros deuses além de Deus, que não venere outras divindades além
da única. A Sagrada Escritura está constantemente a lembrar esta rejeição dos
«ídolos, ouro e prata, obra das mãos do homem, que «têm boca e não falam, têm
olhos e não vêem...». Estes ídolos vãos tornam vão o homem: «sejam como eles os
que os fazem e quantos põem neles a sua confiança» (Sl 115, 4-5.8) (40). Deus, pelo
contrário, é o «Deus vivo» (Js 3, 10) (41), que faz viver e intervém na história.
2113. A idolatria não diz respeito apenas aos falsos cultos do paganismo. Continua
a ser uma tentação constante para a fé. Ela consiste em divinizar o que não é
Deus. Há idolatria desde o momento em que o homem honra e reverencia uma
criatura em lugar de Deus, quer se trate de deuses ou de demónios (por exemplo,
o satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do Estado, do
dinheiro, etc., «Vós não podereis servir a Deus e ao dinheiro», diz Jesus (Mt 6, 24).
Muitos mártires foram mortos por não adorarem «a Besta» (42), recusando-se
mesmo a simularem-lhe o culto. A idolatria recusa o senhorio único de Deus; é,
pois, incompatível com a comunhão divina (43).
2114. A vida humana unifica-se na adoração do Único. O mandamento de adorar o
único Senhor simplifica o homem e salva-o duma dispersão ilimitada. A idolatria é
uma perversão do sentido religioso inato no homem. Idólatra é aquele que «refere
a sua indestrutível noção de Deus seja ao que for, que não a Deus» (44).
ADIVINHAÇÃO E MAGIA
2115. Deus pode revelar o futuro aos seus profetas ou a outros santos. Mas a
atitude certa do cristão consiste em pôr-se com confiança nas mãos da Providência,
em tudo quanto se refere ao futuro, e em pôr de parte toda a curiosidade malsã a
tal propósito. A imprevidência, no entanto, pode constituir uma falta de
responsabilidade.
2116. Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou
aos demónios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente
«reveladoras» do futuro (45). A consulta dos horóscopos, a astrologia, a
quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenómenos de vidência,
o recurso aos "médiuns", tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a
história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio
com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e
o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.
2117. Todas as práticas de magia ou de feitiçaria, pelas quais se pretende
domesticar os poderes ocultos para os pôr ao seu serviço e obter um poder
sobrenatural sobre o próximo – ainda que seja para lhe obter a saúde – são
gravemente contrárias à virtude de religião. Tais práticas são ainda mais
condenáveis quando acompanhadas da intenção de fazer mal a outrem ou quando
recorrem à intervenção dos demónios. O uso de amuletos também é
repreensível. O espiritismoimplica muitas vezes práticas divinatórias ou mágicas;
por isso, a Igreja adverte os fiéis para que se acautelem dele. O recurso às
medicinas ditas tradicionais não legitima nem a invocação dos poderes malignos,
nem a exploração da credulidade alheia.
A IRRELIGIÃO
2118. O primeiro mandamento da Lei de Deus reprova os principais pecados de
irreligião: tentar a Deus por palavras ou actos, o sacrilégio, a simonia.
2119. Tentar a Deus consiste em pôr à prova, por palavras ou actos, a sua
bondade e a sua omnipotência. Foi assim que Satanás quis que Jesus se atirasse do
templo abaixo, para com isso forçar Deus a intervir (46). Jesus opôs-lhe a Palavra
de Deus: «Não tentarás o Senhor teu Deus»(Dt 6, 16). O desafio contido em
semelhante tentação a Deus fere o respeito e a confiança que devemos ao nosso
Criador e Senhor, implicando sempre uma dúvida relativamente ao seu amor, à
sua providência e ao seu poder (47).
2120. O sacrilégio consiste em profanar ou em tratar indignamente os
sacramentos e outras acções litúrgicas, bem como as pessoas, as coisas e os
lugares consagrados a Deus. O sacrilégio é um pecado grave, sobretudo quando é
cometido contra a Eucaristia, pois que, neste sacramento, é o próprio corpo de
Cristo que Se nos torna presente substancialmente (48).
2121. A simonia (49) define-se como a compra ou venda das realidades espirituais.
A Simão, o mago, que queria comprar o poder espiritual que via operante nos
Apóstolos, Pedro responde: «Vá contigo o teu dinheiro para a perdição, porque
julgaste poder adquirir por dinheiro o dom de Deus» (Act 8, 20). O apóstolo
conformava-se, assim, à Palavra de Jesus: «Recebestes de graça, pois dai
gratuitamente» (Mt 10, 8) (50). É impossível alguém apropriar-se dos bens
espirituais e comportar-se a respeito deles como proprietário ou dono, pois eles
têm a sua fonte em Deus, e só d'Ele se podem receber gratuitamente.
2122. «Além das ofertas determinadas pela autoridade competente, o ministro
nada peça pela administração dos sacramentos, e tenha o cuidado de que os
pobres, em razão da pobreza, não se vejam privados do auxílio dos sacramentos»
(51). A autoridade competente fixa essas «oblações» em virtude do princípio
segundo o qual o povo cristão tem o dever de contribuir para o sustento dos
ministros da Igreja. «O trabalhador merece o seu sustento» (Mt 10, 10) (52).
O ATEÍSMO
2123. «Muitos [...] dos nossos contemporâneos não percebem esta íntima e vital
ligação a Deus, ou até a rejeitam explicitamente; de tal maneira que o ateísmo
deve ser considerado um dos factos mais graves do tempo actual» (53).
2124. A palavra «ateísmo» abrange fenómenos muito diversos. Uma forma
frequente dele é o materialismo prático, que limita as suas necessidades e
ambições ao espaço e ao tempo. O humanismo ateu julga falsamente que o homem
«é para si mesmo o seu próprio fim, o único artífice e demiurgo da sua própria
história» (54). Uma outra forma do ateísmo contemporâneo é a que espera a
libertação do homem exclusivamente através duma libertação económica e social,
à qual «a religião, por sua mesma natureza, se oporia, na medida em que, dando
ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da
cidade terrena» (55).
2125. Na medida em que nega ou rejeita a existência de Deus, o ateísmo é um
pecado contra a virtude da religião (56). A imputabilidade desta falta pode ser
largamente diminuída, atendendo às intenções e às circunstâncias. Na génese e
difusão do ateísmo, «os crentes podem ter tido parte não pequena, na medida em
que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da
doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode
dizer que mais esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da
religião» (57).
2126. Muitas vezes, o ateísmo funda-se num falso conceito da autonomia humana,
levado até à recusa de qualquer dependência em relação a Deus (58). No entanto,
«o reconhecimento de Deus de modo nenhum se opõe à dignidade do homem, uma
vez que esta se funda e se realiza no próprio Deus» (59). A Igreja sabe que «a sua
mensagem está de acordo com os desejos mais profundos do coração humano»
(60).
O AGNOSTICISMO
2127. O agnosticismo reveste muitas formas. Em certos casos, o agnóstico recusase
a negar Deus. Postula, pelo contrário, a existência dum ser transcendente,
incapaz de Se revelar e do qual ninguém seria capaz de dizer fosse o que fosse. Em
outros casos, não se pronuncia sobre a existência de Deus, declarando ser
impossível prová-la, e até afirmá-la ou negá-la.
2128. O agnosticismo pode, por vezes, encerrar uma certa busca de Deus. Mas
pode igualmente representar um indiferentismo, uma fuga perante a questão
última da existência e uma preguiça da consciência moral. Com muita frequência, o
agnosticismo equivale a um ateísmo prático.
IV. «Não farás para ti nenhuma imagem esculpida...»
2129. Esta imposição divina comportava a interdição de qualquer representação
de Deus feita pela mão do homem. O Deuteronómio explica: «Tomai muito cuidado
convosco, pois não vistes imagem alguma no dia em que o Senhor vos falou no
Horeb do meio do fogo. Portanto, não vos deixeis corromper, fabricando para vós
imagem esculpida» do quer que seja (Dt 4, 15-16). Quem Se revelou a Israel foi o
Deus absolutamente transcendente. «Ele é tudo», mas, ao mesmo tempo, «está
acima de todas as suas obras» (Sir 43, 27-28). Ele é «a própria fonte de toda a
beleza criada» (Sb 13, 3).
2130. No entanto, já no Antigo Testamento Deus ordenou ou permitiu a
instituição de imagens, que conduziriam simbolicamente à salvação pelo Verbo
encarnado: por exemplo, a serpente de bronze (61) a arca da Aliança e os
querubins (62).
2131. Com base no mistério do Verbo encarnado, o sétimo Concílio ecuménico, de
Niceia (ano de 787) justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: dos de
Cristo, e também dos da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Encarnando,
o Filho de Deus inaugurou uma nova «economia» das imagens.
2132. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que
proíbe os ídolos. Com efeito, «a honra prestada a uma imagem remonta (63) ao
modelo original» e «quem venera uma imagem venera nela a pessoa
representada» (64). A honra prestada às santas imagens é uma «veneração
respeitosa», e não uma adoração, que só a Deus se deve:
«O culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas como realidades, mas
olha-as sob o seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus
encarnado. Ora, o movimento que se dirige à imagem enquanto tal não se detém
nela, mas orienta-se para a realidade de que ela é imagem» (65).
Resumindo:
2133. «Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e
com todas as tuas forças» (Dt 6, 5).
2134. O primeiro mandamento chama o homem a crer em Deus, a esperar n'Ele e
a amá-Lo sobre todas as coisas.
2135. «Ao Senhor teu Deus adorarás» (Mt 4, 10). Adorar a Deus, orar-Lhe, prestar-
Lhe o culto que Lhe é devido, cumprir as promessas e votos que se Lhe fizeram, são
actos da virtude da religião, que traduzem a obediência ao primeiro mandamento.
2136. O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem,
individual e socialmente.
2137. O homem deve poder professar livremente a religião, tanto em privado
como em público (66).
2138. A superstição é um desvio do culto que prestamos ao verdadeiro Deus.
Manifesta-se na idolatria, bem como nas diferentes formas de adivinhação e
magia.
2139. O acto de tentar a Deus por palavras ou por obras, o sacrilégio e a simonia
são pecados de irreligião, proibidos pelo primeiro mandamento.
2140. Na medida em que rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um
pecado contra o primeiro mandamento.
2141. O culto das imagens sagradas funda-se no mistério da encarnação do Verbo
de Deus. E não é contrário ao primeiro mandamento.
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