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O QUINTO MANDAMENTO



«Não matarás» (Ex 20, 13).

«Ouvistes o que foi dito aos antigos: "Não matarás. Aquele que matar terá de
responder em juízo". Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão, será
réu perante o tribunal» (Mt 5, 21-22).
2258. «A vida humana é sagrada porque, desde a sua origem, postula a acção
criadora de Deus e mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador,
seu único fim. Só Deus é senhor da vida, desde o seu começo até ao seu termo:
ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de dar a morte
directamente a um ser humano inocente» (33).

I. O respeito pela vida humana

TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA
2259. A Sagrada Escritura, na narrativa da morte de Abel pelo seu irmão Caim
(34), revela, desde os primórdios da história humana, a presença no homem da
cólera e da inveja, consequências do pecado original. O homem tornou-se inimigo
do seu semelhante. Deus denuncia a perversidade deste fratricídio: «Que fizeste?
A voz do sangue do teu irmão clama da terra por Mim. De futuro, serás maldito
sobre a terra, que abriu a sua boca para beber, da tua mão, o sangue do teu
irmão» (Gn 4, 10-11).
2260. A aliança entre Deus e a humanidade é entretecida de referências ao dom
divino da vida humana e à violência assassina do homem:
«Pedirei contas do vosso sangue [...]. A quem derramar sangue humano, por mão
de homem será derramado o seu, porque Deus fez o homem à sua imagem» (Gn 9,
5-61).
O Antigo Testamento considerou sempre o sangue como um sinal sagrado da vida
(35). E este ensinamento é válido para todos os tempos.
2261. A Escritura determina a proibição contida no quinto mandamento: «Não
causarás a morte do inocente e do justo» (Ex 23, 7). O homicídio voluntário dum
inocente é gravemente contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à
santidade do Criador. A lei que o proíbe universalmente válida: obriga a todos e a
cada um, sempre e em toda a parte.
2262. No sermão da montanha, o Senhor lembra o preceito: «Não matarás»
(Mt 5, 21) e acrescenta-lhe a proibição da ira, do ódio e da vingança. Mais ainda:
Cristo exige do seu discípulo que ofereça a outra face (36), que ame os seus
inimigos (37). Ele próprio não Se defendeu e disse a Pedro que deixasse a espada
na bainha (38).
A LEGÍTIMA DEFESA
2263. A defesa legítima das pessoas e das sociedades não é uma excepção à
proibição de matar o inocente que constitui o homicídio voluntário. «Do acto de
defesa pode seguir-se um duplo efeito: um, a conservação da própria vida; outro, a
morte do agressor» (39). «Nada impede que um acto possa ter dois efeitos, dos
quais só um esteja na intenção, estando o outro para além da intenção» (40).
2264. O amor para consigo mesmo permanece um princípio fundamental de
moralidade. E, portanto, legítimo fazer respeitar o seu próprio direito à vida.
Quem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido
a desferir sobre o agressor um golpe mortal:
«Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária,
isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito [...].
E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal acto de defesa
moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar
pela própria vida do que pela alheia» (41).
2265. A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave
dever para aquele que é responsável pela vida de outrem. Defender o bem comum
implica colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer mal. É por esta razão
que os detentores legítimos da autoridade têm o direito de recorrer mesmo às
armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua
responsabilidade.
2266. O esforço do Estado em reprimir a difusão de comportamentos que lesam os
direitos humanos e as regras fundamentais da convivência civil, corresponde a
uma exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da autoridade pública
legítima infligir penas proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como
primeiro objectivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando esta pena é
voluntariamente aceite pelo culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda
como objectivo, para além da defesa da ordem pública e da protecção da
segurança das pessoas, uma finalidade medicinal, posto que deve, na medida do
possível, contribuir para a emenda do culpado.
2267. A doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca
da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de
morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas
humanas de um injusto agressor.
Contudo, se processos não sangrentos bastarem para defender e proteger do
agressor a segurança das pessoas, a autoridade deve servir-se somente desses
processos, porquanto correspondem melhor às condições concretas do bem comum
e são mais consentâneos com a dignidade da pessoa humana.
Na verdade, nos nossos dias, devido às possibilidades de que dispõem os Estados
para reprimir eficazmente o crime, tornando inofensivo quem o comete, sem com
isso lhe retirar definitivamente a possibilidade de se redimir, os casos em que se
torna absolutamente necessário suprimir o réu «são já muito raros, se não mesmo
praticamente inexistentes» (42).
O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
2268. O quinto mandamento proíbe, como gravemente pecaminoso, o homicídio
directo e voluntário. O assassino e quantos voluntariamente colaboram no
assassinato cometem um pecado que brada ao céu (43).
O infanticídio (44), o fratricídio, o parricídio e o assassinato do cônjuge são crimes
especialmente graves, em razão dos laços naturais que eles quebram. Não se
podem invocar preocupações de eugenismo ou de higiene pública para justificar
qualquer homicídio, ainda que tal seja imposto pelos poderes públicos
2269. O quinto mandamento proíbe fazer seja o que for com a intenção de
provocarindirectamente a morte duma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém,
sem razão grave, a um perigo mortal, assim como negar assistência a uma pessoa
em perigo.
A aceitação pela sociedade humana de fomes mortíferas, sem se esforçar por lhe
dar remédio, é uma escandalosa injustiça e um pecado grave. Os traficantes, cujas
práticas usurárias e mercantis provocam a fome e a morte dos seus irmãos em
humanidade, cometem indirectamente homicídio, que lhes é imputável (45).
O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não se é desculpado
de falta grave se, sem razões proporcionadas, se proceder de maneira a causar a
morte, mesmo sem a intenção de a provocar.
O ABORTO
2270. A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto, a partir
do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, devem
ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o
direito inviolável de todo o ser inocente à vida (46).
«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi: antes que saísses do seio da
tua mãe, Eu te consagrei» (Jr 1, 5).
«Vós conhecíeis já a minha alma e nada do meu ser Vos era oculto, quando
secretamente era formado, modelado nas profundidades da terra» (Sl 139, 15).
2271. A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto
provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto directo, isto
é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral:
«Não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recémnascido
» (47).
«Deus [...], Senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem
dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta
deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento
da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis» (48).
2272. A colaboração formal num aborto constitui falta grave. A Igreja pune com a
pena canónica da excomunhão este delito contra a vida humana. «Quem procurar
o aborto, seguindo-se o efeito («effectu secuto») incorre em excomunhão latae
sententiae (49), isto é, «pelo facto mesmo de se cometer o delito» (50) e nas
condições previstas pelo Direito (50). A Igreja não pretende, deste modo,
restringir o campo da misericórdia. Simplesmente, manifesta a gravidade do crime
cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente que foi morto, aos seus pais
e a toda a sociedade.
2273. O inalienável direito à vida, por parte de todo o indivíduo humano inocente,
é um elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação:
«Os direitos inalienáveis da pessoa deverão ser reconhecidos e respeitados pela
sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem
nem dos indivíduos, nem dos pais, nem mesmo representam uma concessão da
sociedade e do Estado. Pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa,
em razão do acto criador que lhe deu origem. Entre estes direitos fundamentais
deve aplicar-se o direito à vida e à integridade física de todo ser humano, desde a
concepção até à morte» (52).
«Desde o momento em que uma lei positiva priva determinada categoria de seres
humanos da protecção que a legislação civil deve conceder-lhes, o Estado acaba
por negar a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não põe a sua força
ao serviço dos direitos de todos os cidadãos, em particular dos mais fracos,
encontram-se ameaçados os próprios fundamentos dum «Estado de direito» [...].
Como consequência do respeito e da protecção que devem ser garantidos ao
nascituro, desde o momento da sua concepção, a lei deve prever sanções penais
apropriadas para toda a violação deliberada dos seus direitos» (53).
2274. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o embrião
terá de ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível,
como qualquer outro ser humano.
O diagnóstico pré-natal é moralmente lícito, desde que «respeite a vida e a
integridade do embrião ou do feto humano, e seja orientado para a sua defesa ou
cura individual [...]. Mas está gravemente em oposição com a lei moral, se previr,
em função dos resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico
[...] não pode ser equivalente a uma sentença de morte» (54).
2275. «Devem considerar-se lícitas as intervenções no embrião humano, sempre
que respeitem a vida e a integridade do mesmo e não envolvam para ele riscos
desproporcionados, antes tenham em vista a sua cura, as melhoria das suas
condições de saúde ou a sua sobrevivência individual» (55).
«É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como
material biológico disponível» (56).
«Certas tentativas de intervenção no património cromossomático ou genético não
são terapêuticas, mas têm em cesta a produção de seres humanos seleccionados
segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas. Tais manipulações são
contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua
identidade única, irrepetível» (57).
A EUTANÁSIA
2276. Aqueles que têm uma vida deficiente ou enfraquecida reclamam um respeito
especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para que
possam levar uma vida tão normal quanto possível.
2277. Quaisquer que sejam os motivos e os meios, a eutanásia directa consiste em
pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente
inaceitável.
Assim, uma acção ou uma omissão que, de per si ou na intenção, cause a morte
com o fim de suprimir o sofrimento, constitui um assassínio gravemente contrário
à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo, seu Criador. O erro de
juízo, em que se pode ter caído de boa fé, não muda a natureza do acto homicida,
o qual deve sempre ser condenado e posto de parte (58).
2278. A cessação de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou
desproporcionados aos resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição do
«encarniçamento terapêutico». Não que assim se pretenda dar a morte;
simplesmente se aceita o facto de a não poder impedir. As decisões devem ser
tomadas pelo paciente se para isso tiver competência e capacidade; de contrário,
por quem para tal tenha direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e
os interesses legítimos do paciente.
2279. Mesmo que a morte seja considerada iminente, os cuidados habitualmente
devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O uso
dos analgésicos para aliviar os sofrimentos do moribundo, mesmo correndo-se o
risco de abreviar os seus dias, pode ser moralmente conforme com a dignidade
humana, se a morte não for querida, nem como fim nem como meio, mas somente
prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma
excepcional da caridade desinteressada; a esse título, devem ser encorajados.
O SUICÍDIO
2280. Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o
senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la
para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não
proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela.
2281. O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e
perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende
igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de
solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais
temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.
2282. Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os
jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária
no suicídio é contrária à lei moral.
Perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum
sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade
do suicida.
2283. Não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se suicidaram.
Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um
arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a
própria vida.

II. O respeito pela dignidade das pessoas

O RESPEITO PELA ALMA DO PRÓXIMO: O ESCÂNDALO
2284. O escândalo é a atitude ou comportamento que leva outrem a fazer o mal. O
escandaloso transforma-se em tentador do seu próximo; atenta contra a virtude e
a rectidão, podendo arrastar o irmão para a morte espiritual. O escândalo
constitui uma falta grave se, por acção ou omissão, levar deliberadamente outra
pessoa a cometer uma falta grave.
2285. O escândalo reveste-se duma gravidade particular conforme a autoridade
dos que o causam ou a fraqueza dos que dele são vítimas. Ele inspirou esta
maldição a nosso Senhor: «Mas se alguém escandalizar um destes pequeninos que
crêem em Mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um
moinho e o lançassem nas profundezas do mar» (Mt 18, 6) (59). O escândalo é
grave quando é causado por aqueles que, por natureza ou em virtude da função
que exercem, tem a obrigação de ensinar e de educar os outros. Jesus censura-o
nos escribas e fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros (60).
2286. O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou
pela opinião.
É assim que se tornam culpados de escândalo os que estabelecem leis ou
estruturas sociais conducentes à degradação dos costumes e à corrupção da vida
religiosa, ou a «condições sociais que, voluntária ou involuntariamente, tornam
difícil e praticamente impossível uma conduta cristã conforme aos mandamentos»
(61). O mesmo se diga dos chefes de empresa que tomam medidas incitando à
fraude, dos professores que «exasperam» os seus alunos (62), ou daqueles que,
manipulando a opinião pública, a desviam dos valores morais.
2287. Aquele que usa dos poderes de que dispõe, em condições que induzem a agir
mal, torna-se culpado de escândalo e responsável pelo mal que, directa ou
indirectamente, favorece. «É inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que
os causa» (Lc 17, 1).
O RESPEITO PELA SAÚDE
2288. A vida e a saúde física são bens preciosos, confiados por Deus. Temos a
obrigação de cuidar razoavelmente desses dons, tendo em conta as necessidades
alheias e o bem comum.
O cuidado da saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para se conseguirem
condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimentação e
vestuário, casa, cuidados de saúde, ensino básico, emprego, assistência social.
2289. Se a moral apela para o respeito da vida corporal, não é que faça dela um
valor absoluto. Pelo contrário, insurge-se contra uma concepção neo-pagã,
tendente a promover o culto do corpo, sacrificando-lhe tudo, e a idolatrar a
perfeição física e o êxito desportivo. Pela escolha selectiva que faz entre os fortes
e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.
2290. A virtude da temperança leva a evitar toda a espécie de excessos, o abuso
da comida, da bebida, do tabaco e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de
embriaguez ou por gosto imoderado da velocidade, põem em risco a segurança dos
outros e a sua própria, nas estradas, no mar ou no ar, tornam-se gravemente
culpados.
2291. O uso de estupefacientes causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana.
A não ser por prescrições estritamente terapêuticas, o seu uso é uma falta grave.
A produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas, e
constituem uma cooperação directa, pois incitam a práticas gravemente contrárias
à lei moral.
O RESPEITO PELA PESSOA E A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA
2292. As experiências científicas, médicas ou psicológicas, sobre pessoas ou grupos
humanos, podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde
pública.
2293. A investigação científica de base, tanto como a aplicada, constituem uma
expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica
são recursos preciosos quando, postos ao serviço do homem, promovem o seu
desenvolvimento integral em benefício de todos. Mas, só por si, não podem indicar
o sentido da existência e do progresso humano. A ciência e a técnica estão
ordenadas para o homem, a quem devem a sua origem e progressos. Por isso, é na
pessoa e nos seus valores morais que encontram a indicação da sua finalidade e a
consciência dos seus limites.
2294. É ilusório reivindicar a neutralidade moral da investigação científica e das
suas aplicações. Por outro lado, os critérios de orientação não podem deduzir-se
nem da simples eficácia nem da utilidade que daí pode advir para uns em prejuízo
de outros, nem, pior ainda, das ideologias dominantes. A ciência e a técnica
requerem, pelo seu próprio significado intrínseco, o respeito incondicional dos
critérios fundamentais da moralidade: devem estar ao serviço da pessoa humana,
dos seus direitos inalienáveis, do seu bem autêntico e integral, de acordo com o
projecto e a vontade de Deus.
2295. As investigações ou experiências sobre o ser humano não podem legitimar
actos em si mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O eventual
consentimento dos sujeitos não justifica tais actos. A experimentação sobre o ser
humano não é moralmente legítima, se fizer correr riscos desproporcionados, ou
evitáveis, à vida ou à integridade física ou psíquica do sujeito. A experimentação
sobre seres humanos não é conforme à dignidade da pessoa se, ainda por cima, for
feita sem o consentimento esclarecido do sujeito ou de quem sobre ele tem
responsabilidades.
2296. A transplantação de órgãos é conforme à lei moral se os perigos e riscos
físicos e psíquicos, em que o doador incorre, forem proporcionados ao bem que se
procura em favor do destinatário. A doação de órgãos após a morte é um acto
nobre e meritório e deve ser encorajado como uma manifestação de generosa
solidariedade. Mas não é moralmente aceitável se o doador ou os seus
representantes lhe não tiverem dado o seu consentimento expresso. Para além
disso, e moralmente inadmissível provocar directamente a mutilação que leve à
invalidez ou à morte dum ser humano, ainda que isso se faça para retardar a
morte de outras pessoas.
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE CORPORAL
2297. Os raptos e o sequestro de reféns espalham o terror e, pela ameaça,
exercem intoleráveis pressões sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O
terrorismo ameaça, fere e mata sem descriminação; é gravemente contrário à
justiça e à caridade. A tortura, que usa a violência física ou moral para arrancar
confissões, para castigar culpados, atemorizar opositores ou satisfazer ódios, é
contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. A não ser por
indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações,
mutilações ou esterilizaçõesdirectamente voluntárias de pessoas inocentes, são
contrárias à lei moral (63).
2298. Nos tempos passados, certas práticas de crueldade foram comummente
adoptadas por governos legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem
protesto dos pastores da Igreja, tendo eles mesmos adoptado, nos seus próprios
tribunais, as prescrições do direito romano sobre a tortura. A par destes factos
lastimáveis, a Igreja ensinou sempre o dever da clemência e da misericórdia; e
proibiu aos clérigos o derramamento de sangue. Nos tempos recentes, tornou-se
evidente que estas práticas cruéis não eram necessárias à ordem pública nem
conformes aos direitos legítimos da pessoa humana. Pelo contrário, tais práticas
conduzem às piores degradações. Deve trabalhar-se pela sua abolição e orar pelas
vítimas e seus carrascos.
O RESPEITO PELOS MORTOS
2299. Aos moribundos deve dispensar-se toda a atenção e cuidado, para os ajudar
a viver os últimos momentos com dignidade e paz. Devem ser ajudados pela
oração dos que lhes são mais próximos. Estes velarão por que os doentes recebam,
em tempo oportuno, os sacramentos que os preparam para o encontro com o Deus
vivo.
2300. Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e
esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia
corporal (64) que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301. A autópsia dos cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de
investigação legal ou pesquisa científica. O dom gratuito de órgãos depois da
morte é legítimo e até pode ser meritório.
A Igreja permite a cremação a não ser que esta ponha em causa a fé na
ressurreição dos corpos (65).

III. A salvaguarda da paz

A PAZ
2302. Evocando o preceito «Não matarás» (Mt 5, 21), nosso Senhor pede a paz do
coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio:
A ira é um desejo de vingança. «Desejar a vingança, para mal daquele que deve
ser castigado, é ilícito»; mas impor uma reparação «para correcção do vício e para
conservar o bem da justiça», isso é louvável (66). Se a ira for até ao desejo
deliberado de matar o próximo ou de o ferir gravemente, ofende de modo grave a
caridade, e é pecado mortal. O Senhor diz: «Quem se irar contra o seu irmão, será
sujeito a julgamento» (Mt 5, 22).
2303. O ódio voluntário é contra a caridade. Odiar o próximo, querendo-lhe mal
deliberadamente é pecado. É pecado grave, quando deliberadamente se lhe
deseja um mal grave. «Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por
aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos
céus...» (Mt 5, 44-45).
2304. O respeito e o crescimento da vida humana exigem a paz. A paz não é só
ausência da guerra, nem se limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A
paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, a livre
comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos
povos e a prática assídua da fraternidade. Ela é «tranquilidade da ordem» (67); é
«obra da justiça» (Is 32, 17) e efeito da caridade (68).
2305. A paz terrena é imagem e fruto da paz de Cristo, o «Príncipe da Paz»
messiânico (Is 9, 5).Pelo sangue da sua cruz, Ele, levando em Si próprio a morte à
inimizade (69), reconciliou com Deus os homens e fez da sua Igreja o sacramento da
unidade do género humano e da sua união com Deus (70). «Ele é a nossa
paz» (Ef 2, 14) e declara «bem-aventurados os obreiros da paz» (Mt 5, 9).
2306. Os que, renunciando à acção violenta e sangrenta, recorrem a meios de
defesa ao alcance dos mais fracos para a salvaguarda dos direitos humanos, dão
testemunho da caridade evangélica, desde que o façam sem lesar os direitos e
obrigações dos outros homens e das sociedades. E atestam legitimamente a
gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência, com as suas ruínas e
mortes (71).
EVITAR A GUERRA
2307. O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por
causa dos males e injustiças que toda a guerra traz consigo, a Igreja exorta
instantemente a todos para que orem e actuem para que a Bondade divina nos
livre da antiga escravidão da guerra (72).
2308. Cada cidadão e cada governante deve trabalhar no sentido de evitar as
guerras.
No entanto, enquanto «subsistir o perigo de guerra e não houver uma autoridade
internacional competente, dotada dos convenientes meios, não se pode negar aos
governos, uma vez esgotados todos os recursos de negociações pacíficas, o direito
de legítima defesa» (73).
2309. Devem ser ponderadas com rigor as estritas condições duma legítima defesa
pela força das armas. A gravidade duma tal decisão submete-a a condições
rigorosas de legitimidade moral. É necessário, ao mesmo tempo:
– que o prejuízo causado pelo agressor à nação ou comunidade de nações seja
duradouro, grave e certo;
– que todos os outros meios de lhe pôr fim se tenham revelado impraticáveis ou
ineficazes;
– que estejam reunidas condições sérias de êxito;
– que o emprego das armas não traga consigo males e desordens mais graves do
que o mal a eliminar. O poder dos meios modernos de destruição tem um peso
gravíssimo na apreciação desta condição.
Estes são os elementos tradicionalmente apontados na doutrina da chamada
«guerra justa».
A apreciação destas condições de legitimidade moral pertence ao juízo prudencial
daqueles que têm o encargo do bem comum.
2310 Os poderes públicos têm, neste caso, o direito e o dever de impor aos
cidadãos asobrigações necessárias à defesa nacional.
Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar são servidores da
segurança e da liberdade dos povos. Na medida em que desempenharem como
convém esta tarefa, contribuem verdadeiramente para o bem comum e para a
salvaguarda da paz (74).
2311. Os poderes públicos atenderão equitativamente o caso daqueles que, por
motivos de consciência, recusam o uso de armas; estes continuam obrigados a
servir, de outra forma, a comunidade humana (75).
2312. A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral
durante os conflitos armados. «Uma vez lamentavelmente começada a guerra,
nem por isso tudo se torna lícito entre as partes beligerantes» (76).
2313. Devem ser respeitados e tratados com humanidade os não-combatentes, os
soldados feridos e os prisioneiros.
As acções deliberadamente contrárias ao direito dos povos e aos seus princípios
universais, bem como as ordens que comandam tais acções, são crimes. Uma
obediência cega não basta para desculpar os que a elas se submetem. Assim, o
extermínio dum povo, duma nação ou duma minoria étnica deve ser condenado
como pecado mortal. É-se moralmente obrigado a resistir às ordens para praticar
um genocídio.
2314. «Toda a acção bélica, que tende indiscriminadamente à destruição de
cidades inteiras ou vastas regiões com os seus habitantes, é um crime contra Deus
e o próprio homem, que se deve condenar com firmeza, sem hesitação» (77). Um
dos perigos da guerra moderna é o de oferecer aos detentores das armas
científicas, nomeadamente atómicas, biológicas ou químicas, ocasião para cometer
tais crimes.
2315. A acumulação de armas é considerada por muitos como um processo
paradoxal de dissuadir da guerra eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz
dos meios susceptíveis de garantir a paz entre as nações. No entanto, esse
processo de dissuasão suscita severas reservas morais. A corrida aos
armamentos não garante a paz. Longe de eliminaras causas da guerra, corre o
risco de as agravar. O dispêndio de fabulosas riquezas na preparação de armas
sempre novas impede que se auxiliem as populações indigentes (78), e trava o
desenvolvimento dos povos. O superarmamento multiplica as razões de conflito e
aumenta o risco da sua propagação.
2316. O fabrico e comércio de armas tem a ver com o bem comum das nações e da
comunidade internacional. Daí que as autoridades públicas tenham o direito e o
dever de os regulamentar. A busca de interesses privados ou colectivos a curto
prazo não pode legitimar empresas que incentivam a violência e os conflitos entre
as nações e que comprometem a ordem jurídica internacional.
2317. As injustiças, as excessivas desigualdades de ordem económica ou social, a
inveja, a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações, são
uma constante ameaça à paz e provocam as guerras. Tudo o que se fizer para
superar estas desordens contribui para edificar a paz e evitar a guerra:
«Na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça-os e
continuará a ameaçá-los até à vinda de Cristo: mas, na medida em que, unidos na
caridade, superam o pecado, superadas ficam também as violências, até que se
realize aquela palavra: "Com as espadas forjarão arados e foices com as lanças.
Não mais levantará a espada povo contra povo, nem jamais se exercitarão para a
guerra" (Is 2, 4)» (79).

Resumindo:
2318. «Deus tem nas suas mãos a vida de todo o ser vivo e o sopro de vida de
todos os homens» (Job 12, 10).
2319. Toda a vida humana, desde o momento da concepção até à morte, é
sagrada, porque a pessoa humana foi querida por si mesma e criada à imagem e
semelhança do Deus vivo e santo.
2320. O assassínio de um ser humano é gravemente contrário à dignidade da
pessoa e à santidade do Criador.
2321. A proibição de matar não derroga o direito de retirar ao injusto agressor a
possibilidade de fazer mal. A legítima defesa é um dever grave para quem é
responsável pela vida de outrem ou pelo bem comum.
2322. Desde que foi concebida, a criança tem direito à vida. O aborto directo, isto
é, querido como fim ou como meio, é uma «prática infame» (80), gravemente
contrária à lei moral. A Igreja pune com a pena canónica da excomunhão este
delito contra a vida humana.
2323. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a sua concepção, o
embrião deve ser defendido na sua integridade, atendido e cuidado medicamente
como qualquer outro ser humano.
2324. A eutanásia voluntária, quaisquer que sejam as formas e os motivos, é um
homicídio. É gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito
pelo Deus vivo, seu Criador.
2325. O suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade. É
proibido pelo quinto mandamento.
2326. O escândalo constitui uma falta grave quando, por acção ou omissão, leva
deliberadamente outrem a pecar gravemente.
2327. Devido aos males e injustiças que toda a guerra traz consigo, devemos fazer
tudo o que for humanamente possível para evitá-la. A Igreja ora: «Da fome, da
peste e da guerra – livrai-nos, Senhor!».
2328. A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral
durante os conflitos armados. As práticas deliberadamente contrárias ao direito
das gentes e aos seus princípios universais são crimes.
2329. A corrida aos armamentos é um terrível flagelo para a humanidade e
prejudica os pobres de uma forma intolerável (81).
2330. «Bem-aventurados os obreiros da paz, porque serão chamados filhos de
Deus» (Mt 5, 9).

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