1949. Chamado à bem-aventurança, mas ferido pelo pecado, o homem tem
necessidade da salvação de Deus. O auxílio divino é-lhe dado em Cristo, pela lei
que o dirige e na graça que o ampara:
«Trabalhai com temor e tremor na vossa salvação: porque é Deus que opera em
vós o querer e o agir, segundo os seus desígnios» (Fl 2, 12-13).
A LEI MORAL
1950. A lei moral é obra da Sabedoria divina. Podemos defini-la, em sentido
bíblico, como uma instrução paterna, uma pedagogia de Deus. Ela prescreve ao
homem os caminhos, as regras de procedimento que o levam à bem-aventurança
prometida e lhe proíbe os caminhos do mal, que desviam de Deus e do seu amor.
E, ao mesmo tempo, firme nos seus preceitos e amável nas suas promessas.
1951. A lei é uma regra de procedimento emanada da autoridade competente em
ordem ao bem comum. A lei moral pressupõe a ordem racional estabelecida entre
as criaturas, para seu bem e em vista do seu fim, pelo poder, sabedoria e bondade
do Criador. Toda a lei encontra na Lei eterna a sua verdade primeira e última. A
lei é declarada e estabelecida pela razão como uma participação na providência do
Deus vivo, Criador e Redentor de todos. «Esta ordenação da razão, eis o que se
chama a lei» (1).
«Entre todos os seres animados, o homem é o único que pode gloriar-se de ter
recebido de Deus uma lei: animal dotado de razão, capaz de compreender e de
discernir, ele regulará o seu procedimento dispondo da sua liberdade e da sua
razão, na submissão Àquele que tudo lhe submeteu» (2).
1952. As expressões da lei moral são diversas, mas todas coordenadas entre si: a
lei eterna, fonte em Deus de todas as leis; a lei natural; a lei revelada,
compreendendo a Lei antiga e a Lei nova ou evangélica: por fim, as leis civis e
eclesiásticas.
1953. A lei moral encontra em Cristo a sua plenitude e unidade. Jesus Cristo é, em
pessoa, o caminho da perfeição. Ele é o fim da lei, porque só Ele ensina e confere a
justiça de Deus: «O fim da Lei é Cristo, para a justificação de todo o
crente» (Rm 10, 4).
I. A lei moral natural
1954. O homem participa na sabedoria e na bondade do Criador, que lhe confere o
domínio dos seus actos e a capacidade de se governar em ordem à verdade e ao
bem. A lei natural exprime o sentido moral original que permite ao homem
discernir, pela razão, o bem e o mal, a verdade e a mentira:
«A lei natural [...] está escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos
homens, porque não é senão a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo
pecar... Mas este ditame da razão humana não poderia ter força de lei, se não
fosse a voz e a intérprete duma razão superior, à qual o nosso espírito e a nossa
liberdade devem estar sujeitos» (3).
1955. A lei «divina e natural» (4) mostra ao homem o caminho a seguir para
praticar o bem e atingir o seu fim. A lei natural enuncia os preceitos primários e
essenciais que regem a vida moral. Tem como fulcro a aspiração e a submissão a
Deus, fonte e juiz de todo o bem, assim como o sentido do outro como igual a si
mesmo. Quanto aos seus preceitos principais, está expressa no Decálogo. Esta lei é
chamada natural, não em relação à natureza dos seres irracionais, mas porque a
razão que a promulga é própria da natureza humana:
«Onde estão, pois, inscritas [estas regras] senão no livro daquela luz que se chama
a verdade? É lá que está escrita toda a lei justa, e é de lá que ela passa para o
coração do homem que pratica a justiça; não que imigre para ele, mas porque nele
imprime a sua marca, à maneira de um selo que do sinete passa para a cera, sem
contudo deixar o sinete» (5).
A lei natural «não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus; por ela,
nós conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei,
deu-a Deus ao homem na criação» (6).
1956. Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural
é universal nos seus preceitos, e a sua autoridade estende-se a todos os homens.
Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a base dos seus deveres e direitos
fundamentais:
«Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei, que é a recta razão; ela é conforme à
natureza, comum a todos os homens; é imutável e eterna; as suas ordens apelam
para o dever; as suas proibições desviam da falta. [...] É um sacrilégio substituí-la
por uma lei contrária: e é interdito deixar de cumprir uma só que seja das suas
disposições; quanto a ab-rogá-la inteiramente, ninguém o pode fazer» (7).
1957. A aplicação da lei natural varia muito; pode requerer uma reflexão
adaptada à multiplicidade das condições de vida, segundo os lugares, as épocas e
as circunstâncias. Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece
como regra a unir os homens entre si, impondo-lhes, para além das diferenças
inevitáveis, princípios comuns.
1958. A lei natural é imutável (8) e permanente através das variações da história.
Subsiste sob o fluxo das ideias e dos costumes e está na base do respectivo
progresso. As regras que a traduzem permanecem substancialmente válidas.
Mesmo que se lhe neguem até os princípios, não é possível destruí-la nem tirá-la
do coração do homem; ela ressurge sempre na vida dos indivíduos e das
sociedades:
«Não há dúvida de que o roubo é punido pela vossa Lei, Senhor, e pela lei que está
escrita no coração do homem e que nem a própria iniquidade consegue apagar»
(9).
1959. Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos
sobre os quais o homem pode construir o edifício das regras morais que hão-de
orientar as suas opções. Também nela assenta a base moral indispensável para a
construção da comunidade dos homens. Enfim, proporciona a base necessária à lei
civil, que a ela se liga, quer por uma reflexão que dos seus princípios tira as
conclusões, quer por adições de natureza positiva e jurídica.
1960. Os preceitos da lei natural não são por todos recebidos de maneira clara e
imediata. Na situação actual, a graça e a Revelação são necessárias ao homem
pecador para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas, «por
todos e sem dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro» (10). A lei
natural proporciona à lei revelada e à graça uma base preparada por Deus e
concedida por obra do Espírito.
II. A Lei antiga
1961. Deus, nosso Criador e nosso Redentor, escolheu Israel como seu povo e
revelou-lhe a sua Lei, preparando assim a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime
muitas verdades naturalmente acessíveis à razão. Estas encontram-se declaradas
e autenticadas no âmago da aliança da salvação.
1962. A Lei antiga é o primeiro estádio da lei revelada. As suas prescrições morais
estão compendiadas nos Dez Mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam os
alicerces da vocação do homem, feito à imagem de Deus: proíbem o que é
contrário ao amor de Deus e do próximo e prescrevem o que lhe é essencial. O
Decálogo é uma luz oferecida à consciência de todo o homem, para lhe manifestar
o apelo e os caminhos de Deus e o proteger contra o mal:
Deus «escreveu nas tábuas da Lei o que os homens não fiam nos seus corações»
(11)
1963. Segundo a tradição cristã, a Lei santa (12), espiritual (13) e boa (14), é ainda
imperfeita. Como um pedagogo (15) ela mostra o que se deve fazer; mas, por si,
não dá a força, a graça do Espírito para ser cumprida. Por causa do pecado, que ela
não pode anular, não deixa de ser uma lei de escravidão. Segundo São Paulo, ela
tem por função principalmente denunciar e manifestar o pecado que constitui uma
«lei de concupiscência» (16) no coração do homem. No entanto, a Lei permanece
como a primeira etapa no caminho do Reino. Prepara e dispõe o povo eleito e cada
cristão para a conversão e para a fé em Deus salvador. Proporciona um
ensinamento que subsiste para sempre, como Palavra de Deus.
1964. A Lei antiga é uma preparação para o Evangelho. «A Lei é profecia e
pedagogia das realidades futuras» (17). Ela profetiza e preanuncia a obra de
libertação do pecado, que será realizada por Cristo; e fornece ao Novo Testamento
imagens, «tipos» e símbolos para exprimir a vida segundo o Espírito. Finalmente, a
Lei completa-se pelo ensinamento dos Livros Sapienciais e dos Profetas, que a
orientam para a Nova Aliança e para o Reino dos céus.
Houve [...] na vigência da Antiga Aliança, pessoas que possuíam a caridade e a
graça do Espírito Santo, e aspiravam acima de tudo às promessas espirituais e
eternas, sob este aspecto, já pertenciam à nova Lei. E, vice-versa, existem na nova
Aliança homens carnais, ainda distantes da perfeição da Nova Lei. Para os incitar à
prática da virtude, tem sido necessário, mesmo na Nova Aliança, o temor do
castigo e certas promessas temporais. Em todo o caso, a Lei antiga, embora
prescrevesse a caridade, não dava o Espírito Santo, pelo qual "a caridade se
difunde nos nossos corações"(Rm 5, 5)» (18).
III. A nova Lei ou Lei evangélica
1965. A Lei nova ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da Lei divina, natural e
revelada. É obra de Cristo e tem a sua expressão, de modo particular, no sermão
da montanha. É também obra do Espírito Santo e, por Ele, torna-se a lei interior
da caridade: «Estabelecerei com a casa de Israel uma aliança nova [...] Hei-de
imprimir as minhas leis no seu espírito e gravá-las-ei no seu coração. Eu serei o seu
Deus e eles serão o meu povo» (Heb 8, 8-10) (19).
1966. A Lei nova é a graça do Espírito Santo, dada aos fiéis pela fé em Cristo.
Opera pela caridade e serve-se do sermão do Senhor para nos ensinar o que se
deve fazer, e dos sacramentos para nos comunicar a graça de o fazer:
Aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o sermão que nosso Senhor
pronunciou na montanha, tal como o lemos no Evangelho de São Mateus, nele
encontrará, sem dúvida alguma, a carta perfeita da vida cristã [...]. Esse sermão
encerra todos os preceitos próprios para guiar a vida cristã» (20).
1967. A Lei evangélica «cumpre» (21), apura, ultrapassa e leva à perfeição a Lei
antiga. Nas «bem-aventuranças», ela cumpre as promessas divinas, elevando-as e
ordenando-as para o «Reino dos céus». Dirige-se àqueles que estão dispostos a
acolher com fé esta esperança nova: os pobres, os humildes, os aflitos, os corações
puros, os perseguidos por causa de Cristo, traçando assim os surpreendentes
caminhos do Reino.
1968. A Lei evangélica dá cumprimento aos mandamentos da Lei. O sermão do
Senhor, longe de abolir ou desvalorizar as prescrições morais da Lei antiga, tira
deles as virtualidades ocultas, fazendo surgir novas exigências: revela toda a
verdade divina e humana que elas contêm. Não acrescenta preceitos externos
novos: mas chega a reformar a raiz dos actos, o coração, onde o homem escolhe
entre o puro e o impuro (22), onde se formam a fé, a esperança e a caridade e, com
elas, as outras virtudes. Assim, o Evangelho leva a Lei à sua plenitude, pela
imitação da perfeição do Pai celeste (23), pelo perdão dos inimigos e pela oração
pelos perseguidores, à maneira da generosidade divina (24).
1969. A Lei nova pratica os actos da religião: a esmola, a oração, o jejum,
ordenando-os para «o Pai que vê no segredo», ao contrário do desejo «de ser visto
pelos homens» (25). A sua oração é o «Pai Nosso» (26).
1970. A Lei evangélica implica a escolha decisiva entre «os dois caminhos» (27) e a
passagem à prática das palavras do Senhor (28); resume-se na regra de
ouro: «Tudo quanto quiserdes que os homens vos façam, fazei-lho, de igual modo,
vós também, pois nisso consiste a Lei e os Profetas»(Mt 7, 12) (29).
Toda a Lei evangélica se apoia no «mandamento novo» de Jesus (30), de nos
amarmos uns aos outros como Ele nos amou (31).
1971. Ao sermão do Senhor convém juntar a catequese moral dos ensinamentos
apostólicos.como Rm 12-15; 1 Cor 12-13; Cl 3-4; Ef 4-5; etc... Esta doutrina
transmite o ensinamento do Senhor com a autoridade dos Apóstolos, sobretudo
pela exposição das virtudes que dimanam da fé em Cristo e que são animadas pela
caridade, o principal dom do Espírito Santo. «Seja a vossa caridade sem fingimento
[...]. Amai-vos uns aos outros com amor fraterno [...]. Sede alegres na esperança,
pacientes na tribulação, perseverantes na oração, acudindo com a vossa parte às
necessidades dos santos, procurando o ensejo de exercer a hospitalidade (Rm 12, 9-
12). Esta catequese ensina-nos também a tratar os casos de consciência à luz da
nossa relação com Cristo e com a Igreja (23).
1972. A Lei nova é chamada Lei do amor, porque faz agir mais pelo amor infundido
pelo Espírito Santo do que pelo temor: Lei da graça, porque confere a força da
graça para agir pela fé e pelos sacramentos; Lei de liberdade porque nos liberta
das observâncias rituais e jurídicas da Lei antiga, nos inclina a agir
espontaneamente sob o impulso da caridade e, finalmente, nos faz passar da
condição do escravo «que ignora o que faz o seu senhor», para a do amigo de
Cristo: «porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai» (Jo 15, 15); ou
ainda para a condição de filho herdeiro (34).
1973. Além dos seus preceitos, a Lei nova inclui também os conselhos
evangélicos. A distinção tradicional entre os mandamentos de Deus e os conselhos
evangélicos estabelece-se por referência à caridade, perfeição da vida cristã. Os
preceitos destinam-se a afastar tudo o que é incompatível com a caridade. Os
conselhos têm por fim afastar o que, mesmo sem lhe ser contrário, pode constituir
impedimento à expansão da caridade (35).
1974. Os conselhos evangélicos manifestam a plenitude viva da caridade, sempre
insatisfeita por não dar mais. Atestam o seu ímpeto e solicitam a nossa prontidão
espiritual. A perfeição da Lei nova consiste essencialmente nos preceitos do amor
de Deus e do próximo. Os conselhos indicam caminhos mais directos, meios mais
adequados, e são praticáveis segundo a vocação de cada um:
«Deus não quer que cada um observe todos os conselhos, mas somente os que são
convenientes, segundo a diversidade das pessoas, dos tempos, das ocasiões e das
forças, consoante a caridade o requer; pois é ela que, como rainha de todas as
virtudes, de todos os mandamentos, de todos os conselhos, em suma, de todas as
leis e de todas as acções cristãs, lhes dá a todos e a todas o lugar, a ordem, o
tempo e o valor» (36).
Resumindo:
1975. Segundo a Escritura, a Lei é uma instrução paterna de Deus, que prescreve
ao homem os caminhos que levam à bem-aventurança prometida, e proíbe os
caminhos do mal.
1976. «A lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por
aquele que tem o encargo da comunidade» (37).
1977. Cristo é o fim da Lei (38). Só Ele ensina e concede a justiça de Deus.
1978. A lei natural é uma participação na sabedoria e bondade de Deus pelo
homem, formado à imagem do seu Criador Ela exprime a dignidade da pessoa
humana e constitui a base dos seus direitos e deveres fundamentais.
1979. A lei natural é imutável, permanente através da história. As regras que a
traduzem permanecem substancialmente válidas. É a base necessária para a
fixação das regras morais e da lei civil.
1980. A Lei antiga é o primeiro estádio da Lei revelada. As suas prescrições morais
estão compendiadas nos Dez Mandamentos.
1981. A Lei de Moisés contém muitas verdades naturalmente acessíveis à razão.
Deus revelou-as, porque os homens não as liam no seu coração.
1982. A Lei antiga é uma preparação para o Evangelho.
1983. A nova Lei é a graça do Espírito Santo, recebida pela fé em Cristo, operando
pela caridade. Está expressa sobretudo no sermão do Senhor na montanha e
utiliza os sacramentos para nos comunicar a graça.
1984. A Lei evangélica cumpre, ultrapassa e aperfeiçoa a Lei antiga: as suas
promessas pelas bem-aventuranças do Reino dos céus; os seus mandamentos,
reformando a raiz dos actos, o coração.
1985. A nova Lei é uma lei de amor; uma lei de graça, uma lei de liberdade.
1986. Além dos seus preceitos, a nova Lei comporta os conselhos evangélicos. «A
santidade da Igreja é especialmente favorecida pelos vários conselhos que o
Senhor propõe no Evangelho aos seus discípulos» (39).
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